15/12/2020

VinteVinte - 154 (IX & X)


A lightning strike over the province of Batangas during the eruption of the Taal volcano in Philippines, January 2020

 (© Credit: Domcar C Lagto/Pacific Press via Alamy)

https://www.bbc.com/culture/article/20201203-the-most-striking-images-of-2020


IX

Noite que promete tormenta – chuva & vento fortes.
Oxalá – adoro o concertado desatino dos elementos.
Muito gostaria eu de sentir tudo em choupana campestre.
A lareira acesa, o chá com mel, Bach no gira-discos.
Outras são porém as minhas circunstâncias operatórias.
Não as lamento nem as exacerbo, são o que são & como são.
A gravidade atém ao chão o corpo, mas a ideia levita.
A dita alma é de muitas janelas – e nem todas quebradas.
Vejo-me rapaz correndo (n)o monte (a)venturoso da minha terra.
Vêm comigo os mais leais cães da história universal.
Não sou dos que mijam nas tocas dos grilos.
Não fisgo pássaros, é já ingente o amor por toda a animália.
Vigora & viceja já também em mim a urgência verbal.
Acho o mundo esquisitamente formoso, delicado, grácil.
Nisto, passam cinquenta anos, já só espero chuva & vento fortes.
Encafuado em apartamento suburbano, finjo-me castelão de choupana.
Livros me amparam a atenção, cadernos me acolhem generosos.
Ser deveras pobre é outra coisa, sei bem isso, disso não estou livre.
A minha riqueza, por seu lado, não é das que compram pão.
Rapaz ainda, tive de tal vislumbres: que aliás não temi – nem temo.
É escusado esperar que me entendam certas acalhoadas mentes.
Não sou dono da Razão – mas das minhas razões sim, sou.
A morte purificará todas as contrariedades, é limpinho.
Uma noite de tormenta é-me aprazível aventura rumorosa.
E em boas tábuas, verticais como gente honesta, livros me esperam.

X

Mãos ainda há bondosas mas alhures.
Conheci algumas em perdidos tempos.
As minhas quis eu sempre como tais:
mesmo a que me sobe à boca o cálice.

Pouco nos demoramos vivos na corrente.
Isto é tudo um fósforo aceso ao vento.
O vero carinho vale ouro por raridade.
E a palavra-justa azula a janela aberta.

Humanamente padece o amor degradação.
A posse é fascista, a partilha é utópica.
Raro o aflorei, encolhi sempre as patas.
É-se, em paixão, a si mesmo estrangeiro.

Disso me livre em triste afinal feliz hora.
Adejo hoje as asas à mínima brisa.
Cumpro rotinas por mera sobrevivência.
E tudo me dá de si verso por que sou grato.

Liquidei sem esforço nem remorso alheia vileza.
Alheia malquerença anulei sem custo.
Pesporrentas tosses me não inquinam já.
Não me corrompe a inveja, sobre que defeco.

Mãos ainda há
etc.


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Canzoada Assaltante