16/12/2020

VinteVinte - 157 (V, VI & VII)



    V

    Alberto entende-se com Filomela. Ambos na casa dos sessentas, escorreitos porém ambos ’inda. Divorciado ele há mais de duas décadas; ela, solteira como os peixes. Cada um em sua casa, visitam-se aos sábados para jantar & noite juntos. Aposentados: ele, das Finanças; ela, de educadora pré-escolar. Alberto usa olhos azuis, cabelo só lateral, tejadilho glabro & lustral. Filomela é de olhos castanho-pardal, cabeleira ruivo-raposa. Passeiam a manhã dominical, pós o que se apartam sem dor. Ele vai almoçar a casa da filha, ela vai à Figueira caminhar pela avenida face-atlântica, toda remoçada. 

    VI 

    Em uma tarde próspera de ampla harpa pluvial, 
    Santa Clara, mirada da Portagem, quase não era. 
    Santa enfim era – mas clara não, pois mal 
    se via o passo a dar sobre o que se dera. 

    Namorávamos já, eu & a vida a sós. 
    Por três notas de cem (era no tempo do e$cudo), 
    comprei na Bertrand As Ideias de Eça de Queirós
    de António José Saraiva, o mestre bigodudo. 

    Fui-me logo, claro, para A Brasileira. 
    Café-com-leite a ferver & uma fatia-de-Resende. 
    Chovia bem – e de tal forte maneira, 
    que a minha alegria pouca gente a compreende. 

    Não faz mal. Ninguém nasce p’ra ser compreendido. 
    Aos 18 anos apenas embora, já o houvera entendido. 

    (VII) 

    (Amanhã? 
    Dia-espelho, provavelmente. 
    Janela dando a um agro sem gente. 
    Aves no telhado das garagens. 
    De olhos fechados, tesouro de imagens. 
    Ontem? 
    Já com ele não contem.) 

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Canzoada Assaltante