25/12/2020

VinteVinte - 165 (VII-X)


 
VII 

O crepúsculo é hoje felizmente outoniço. 
Saúdo o cotejo a tempos agora velhos. 
Certos tons áureo-violetas, âmbar, vermelhos. 
Todo um opúsculo me sugere isso. 

Vim ver, vejo, retornarei vendo. 
É mais pessoal o próximo, a este tom. 
Custa mais ser vil, custa nada ser bom. 
Eu mesmo outoneço no mero ir escrevivendo. 

Nada sei, pouco hei, muito m’interessa. 
Anoitece meio-mundo à escala global. 
Interessa-me a parte que diz Portugal. 
A manhã é manhã, por mais q’ora anoiteça. 

Um casal reencontra-se ao cabo do dia. 
– O dia teu, como foi? – Foi bom, e o teu? 
– Olha, vi a Maria. – E eu, o Eliseu. 
E vão comprar coisitas à mercearia. 

Já torra de último anil a torre d’igreja. 
Cinérea s’anuncia a inumação do dia. 
Gervásio vem com sede, pede uma fria 
copanázia espumosa, bem-dita cerveja. 

Gabriel está em vinho, já comeu a sandes. 
Eu versejo o Outono, mas também já libei. 
Proveito ele venha, da fama me não livrei, 
que zurrem os asnos d’orelhas mui grandes. 

Uma vez na (minha) vida, há doçura outonal. 
É o tempo que enfeita a preceito Portugal. 
Estes versos vou fazendo de casa a retorno. 
Quem não gostar deles, não vale ponta nem corno. 

VIII 

O tempo-de-escreviver é agora, não outro. 
Não me cabe apurar como pode isto ser lido. 
Não me cabe mandar pensar, emanar directrizes. 
Isto é o que faço no tempo que se desfaz. 

É de dar em doidos, se nos pensarmos todos cosmocêntricos. 
É preciso pôr K. (de Kafka) a calmantes. 
Vive-se & morre-se agora como se morrivivia dantes. 
Deixai lá a pedra d’água fazer aros concêntricos. 

(IX) 

(Os nossos olhos 
Mal direccionados 
Topam mais alhos 
Que bacalhau aos bocados.) 


Serviu – em abstracção – a sua Coimbra. 
Não se deu a famas, louros, palanquins. 
Por natura, ninguém hoje dele se lembra. 
Antes arroz-de-tomate & dourados jaquins. 

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Canzoada Assaltante