20/11/2020

VinteVinte - 129 (I & II, para já)


Há loucuras bem piores, mormente em livros. 
Olhai o desarrazoado de um tal Mein Kampf
O cabozito austríaco não deixou de vingar a sua. 
Ou o corsozito que se julgava Napoleão.



129.

 

A PRÓPRIA SOMBRA, ESSE C.

 

Coimbra, sexta-feira, 28 de Agosto de 2020

 


    A minha vida parece menos importante do que a Língua em que a digo. 

    O corpo nasce portando em si a transformação de si em outros. E onde digo transformação, já estou dizendo corrupção

    Primavera, Outono & Inverno já só esporadicamente acontecem. O Estio perpetua-se & é assassino voraz, rapace. 

    Assim digo também, ainda, mesmo: onde digo Estio, digo Religião (qualquer & toda uma cada). 

    Todas as generalizações são falíveis – incluindo esta que acabo de (pro)ferir. 

    Lá fora, no mundo viral-pandémico, a feiúra de certos rebanhos bípedes é feliz em sua hediondez. Cá dentro, leio mui devagar o meu Wittgenstein, ingente pensador. 

    Desconheço muito – mas sabê-lo é já algo que apouca, embora pouco, a enormidade do meu desconhecimento. 

    Envelheço. Sim. Dou de mim pasmado na rua, mais em Marte do que alô-aqui-Planeta-Terra-Houston-I-Have-a-P(r)o(bl)em. 

II 

Cora à luz lavada a roupa lavada da vizinha. 
Brancura caiada de lençóis, lenços, toalhas. 
As calças do rapaz azulam fortes o vento. 
E é rija hoje a ventania sextafeirante. 

Carburo em baixa-combustão a tristeza da vida. 
Possuo, afinal & amplamente, apetrechos gráficos. 
Ludwig ergueu na solitária Noruega sua cabana. 
Três irmãos dele suicidaram-se por menos. 

Havendo sopa, o recato interior viceja. 
Existir implica muitas conjunções-adversativas. 
Momentos hei em que mais bem entendo a morte. 
Tenho mais do que um livro em cada divisão. 

Por surtos, inquietam-me sonhos implacáveis. 
Desperto aturdido por alheias malevolências. 
Atiro água fria ao rosto, respiro devagar. 
Planeio então infinitamente novos livros finitos. 

A minha banalidade não obsta à bondade pessoal. 
Sou afinal filho de quem sou – e para sempre. 
Este pensamento resulta sempre em alguma paz. 
Também aí há usura da arte poética mesma. 

Manietados por a religião, povos inteiros inferiorizam-se. 
Misericórdia nenhuma me convocam. 
Sim, a humanidade é irremediável. 
A merda supera o sangue. 

(...)

A minha mocidade, levou-a o vento uivante. 
Nunca sabemos qual a antemão do fim-da-linha. 
Como exergo disse, desconheço muito. 
Neste caso, enfim, ainda bem que assim seja. 

Sou capaz de mais não ser do que meteórico teórico. 
Sem grande teor nem grand’espingarda. 
Um doido-manso esbracejando nas trevas. 
Seja. Importância, não perco ou adquiro. 

Há loucuras bem piores, mormente em livros. 
Olhai o desarrazoado de um tal Mein Kampf
O cabozito austríaco não deixou de vingar a sua. 
Ou o corsozito que se julgava Napoleão. 

Ou o tanso N. Chamberlain. 
E o sinistro Lord Halifax. 
E o pomposo Mountbatten, que bem rebentou. 
Ou o inegável colosso Winston C. 

Mas adiante, que a noite se não faz esperar. 
Já alegrias conheci (& urdi até) em corpo. 
Tal não pode ser negado ou corrompido. 
Íntima casota me guarda tais cães. 

A memória? É o meu porto-de-abrigo. 
Sei que não viverei um século: mas já conheci dois. 
Demorarei a ser esquecido menos que um milénio: 
mas já dobrei a raia de dois. 

Escócias de vent’uivantes soledades me não são megeras. 
Nem hostis me danam maldades insensatas. 
É privado quanto voo como quanto povoo. 
Hipocondrias me não rosnam às canelas. 

Missões-de-paz em remo(r)tas suécias? Não ignoro. 
Não ser lido é preferível a sê-lo mal & maldosamente. 
Ludwig radia profundidade lunar. 
Também tal o Colombiano de Aracataca/1927. 

E José Afonso. E o Argentino nado em Bruxelas/1914. 
Vós sabeis, sei bem que bem o sabeis. 
Ninho-de-amor? Sobrevoei-o cerce & célere. 
Mal disso não hei porém já, tudo se esvai. 

Nem aviltamento hei-de tolerar, verdade. 
Não sou nem vou para Alan Turing. 
Avizinho, em pura gratidão, a majestade do meu Gato. 
Camford & Oxbridge, só de ao longe. 

Entretém-me a matemática da melhor gramática. 
E à idade cheguei de fruir Heidegger, inter pares
Sei o que é ser um homem em evacuada casa. 
É ser assumpção de unicidade populosa. 

Aqui há uma década (já), sabia de limoeiros. 
Em baldios da Cidade subiam eles, fiz um mapa. 
Cartografei assim a acidez da minha soledade. 
E citrinamente versei & versejei a espera. 

Era da morte de minha Mãe a espera. 
Era pois arder-me a Nau. 
A definitiva interdição do Útero. 
A vida mandando-me ir passear a própria sombra. 

A própria sombra: esse cão. 


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Canzoada Assaltante