Há loucuras bem piores, mormente em livros.
Olhai o desarrazoado de um tal Mein Kampf.
O cabozito austríaco não deixou de vingar a sua.
Ou o corsozito que se julgava Napoleão.
129.
A PRÓPRIA SOMBRA, ESSE C.
Coimbra, sexta-feira,
28 de Agosto de 2020
I
A minha vida parece menos importante do que a Língua em que a digo.
O corpo nasce portando em si a transformação de si em outros. E onde digo transformação, já estou dizendo corrupção.
Primavera, Outono & Inverno já só esporadicamente acontecem. O Estio perpetua-se & é assassino voraz, rapace.
Assim digo também, ainda, mesmo: onde digo Estio, digo Religião (qualquer & toda uma cada).
Todas as generalizações são falíveis – incluindo esta que acabo de (pro)ferir.
Lá fora, no mundo viral-pandémico, a feiúra de certos rebanhos bípedes é feliz em sua hediondez. Cá dentro, leio mui devagar o meu Wittgenstein, ingente pensador.
Desconheço muito – mas sabê-lo é já algo que apouca, embora pouco, a enormidade do meu desconhecimento.
Envelheço. Sim. Dou de mim pasmado na rua, mais em Marte do que alô-aqui-Planeta-Terra-Houston-I-Have-a-P(r)o(bl)em.
II
Cora à luz lavada a roupa lavada da vizinha.
Brancura caiada de lençóis, lenços, toalhas.
As calças do rapaz azulam fortes o vento.
E é rija hoje a ventania sextafeirante.
Carburo em baixa-combustão a tristeza da vida.
Possuo, afinal & amplamente, apetrechos gráficos.
Ludwig ergueu na solitária Noruega sua cabana.
Três irmãos dele suicidaram-se por menos.
Havendo sopa, o recato interior viceja.
Existir implica muitas conjunções-adversativas.
Momentos hei em que mais bem entendo a morte.
Tenho mais do que um livro em cada divisão.
Por surtos, inquietam-me sonhos implacáveis.
Desperto aturdido por alheias malevolências.
Atiro água fria ao rosto, respiro devagar.
Planeio então infinitamente novos livros finitos.
A minha banalidade não obsta à bondade pessoal.
Sou afinal filho de quem sou – e para sempre.
Este pensamento resulta sempre em alguma paz.
Também aí há usura da arte poética mesma.
Manietados por a religião, povos inteiros inferiorizam-se.
Misericórdia nenhuma me convocam.
Sim, a humanidade é irremediável.
A merda supera o sangue.
(...)
A minha mocidade, levou-a o vento uivante.
Nunca sabemos qual a antemão do fim-da-linha.
Como exergo disse, desconheço muito.
Neste caso, enfim, ainda bem que assim seja.
Sou capaz de mais não ser do que meteórico teórico.
Sem grande teor nem grand’espingarda.
Um doido-manso esbracejando nas trevas.
Seja. Importância, não perco ou adquiro.
Há loucuras bem piores, mormente em livros.
Olhai o desarrazoado de um tal Mein Kampf.
O cabozito austríaco não deixou de vingar a sua.
Ou o corsozito que se julgava Napoleão.
Ou o tanso N. Chamberlain.
E o sinistro Lord Halifax.
E o pomposo Mountbatten, que bem rebentou.
Ou o inegável colosso Winston C.
Mas adiante, que a noite se não faz esperar.
Já alegrias conheci (& urdi até) em corpo.
Tal não pode ser negado ou corrompido.
Íntima casota me guarda tais cães.
A memória? É o meu porto-de-abrigo.
Sei que não viverei um século: mas já conheci dois.
Demorarei a ser esquecido menos que um milénio:
mas já dobrei a raia de dois.
Escócias de vent’uivantes soledades me não são megeras.
Nem hostis me danam maldades insensatas.
É privado quanto voo como quanto povoo.
Hipocondrias me não rosnam às canelas.
Missões-de-paz em remo(r)tas suécias? Não ignoro.
Não ser lido é preferível a sê-lo mal & maldosamente.
Ludwig radia profundidade lunar.
Também tal o Colombiano de Aracataca/1927.
E José Afonso. E o Argentino nado em Bruxelas/1914.
Vós sabeis, sei bem que bem o sabeis.
Ninho-de-amor? Sobrevoei-o cerce & célere.
Mal disso não hei porém já, tudo se esvai.
Nem aviltamento hei-de tolerar, verdade.
Não sou nem vou para Alan Turing.
Avizinho, em pura gratidão, a majestade do meu Gato.
Camford & Oxbridge, só de ao longe.
Entretém-me a matemática da melhor gramática.
E à idade cheguei de fruir Heidegger, inter pares.
Sei o que é ser um homem em evacuada casa.
É ser assumpção de unicidade populosa.
Aqui há uma década (já), sabia de limoeiros.
Em baldios da Cidade subiam eles, fiz um mapa.
Cartografei assim a acidez da minha soledade.
E citrinamente versei & versejei a espera.
Era da morte de minha Mãe a espera.
Era pois arder-me a Nau.
A definitiva interdição do Útero.
A vida mandando-me ir passear a própria sombra.
A própria sombra: esse cão.
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