25/11/2020

VinteVinte - 140 (primeiros III, mas com cortes no II)




140.

 

CIVILIZAÇÃO – alguns prolegómenos

 

Coimbra, sexta-feira, 11 de Setembro de 2020




(da fêmea maciça avistada em autocarro) 

Ela é alta & fornida & muito branca, 
semelha a meu olhar torre de leite. 
Fina seda recobre cada tranca, 
bendito seja quem nela se deite. 

II 

A usura da tristura trouxe-me a páramos sozinhos. 
Aguento-me como posso & sei frente ao restante. 
Eiva de humano adubo, cemitèriozinhos 
de província ilustram o que provém mais adiante. 

Não fujo dos dias que me fogem. 
Dou corpo & casa ao vento mais malsão. 
(O corpo é de símio; a cara é de cão.) 
Ciente, evito quantos mui me enojem. 

O favónio fresco faz farfalhar a figueira. 
O astuto Spinoza polia lentes. 
A gente é certo morrer, queira ou não queira. 
Os dias deixam de ser emergentes. 

Rúi em ouro-velho o dia que novo foi. 
Amara eu ter arte de carpintaria. 
Isto é tudo mesm’assim – doer, já não dói. 
Ter para o bocado de pão & a malvasia. 

Fecharam a casa-de-pasto à minha mocidade. 
Era ao lado do talho do velho Adriano. 
Já só reconheço fragmentos da Cidade. 
Ninguém me garante estar vivo para o ano. 

Com versos escoro o iminente aluimento. 
Alude é preferível a avalanche
Petinga frita é muitíssimo bom lanche
perdão, merenda é de mor merecimento. 

Púrpura a trechos, mirai-me em derradeiro céu. 
A Dona Maria fechou portas, mui me atristurou. 
Foi operada, correu mal, deixa quanto foi seu 
a um bardamerdas sobrinho que nunca trabalhou. 

(...)


III 

    Aqui ao lado conversa-se placidamente. Mesas esparsas, hora temperada, pré-prandial-nocturna. Descuidosa sociedade aproveitando o instante. 
    Um dos homens é Franquelim, reformado da navegação mercante. Fez favores a outros, nada deve, sente-se bem na própria pele. 
    Outro é Albertino, aposentado público, julgo ter sido amanuense das finanças ou assim-coiso. Ainda é aparentado do Relvas-rico que mandava postas na importação do bacalhau e daí que tivesse amante fixa em Ílhavo. 
    Custódio bebe cerveja-preta. Teodoro ama & cria gatos. (Eu amo que amem animais.) 
    Aqui dentro escuto placidamente, faço os meus versos, vou de vez em quando ao balcão, bebo & pago no acto. 
    Somos todos, por assim dizer, Civilização. 


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Canzoada Assaltante