140.
CIVILIZAÇÃO – alguns prolegómenos
Coimbra, sexta-feira,
11 de Setembro de 2020
I
(da fêmea maciça avistada em autocarro)
Ela é alta & fornida & muito branca,
semelha a meu olhar torre de leite.
Fina seda recobre cada tranca,
bendito seja quem nela se deite.
II
A usura da tristura trouxe-me a páramos sozinhos.
Aguento-me como posso & sei frente ao restante.
Eiva de humano adubo, cemitèriozinhos
de província ilustram o que provém mais adiante.
Não fujo dos dias que me fogem.
Dou corpo & casa ao vento mais malsão.
(O corpo é de símio; a cara é de cão.)
Ciente, evito quantos mui me enojem.
O favónio fresco faz farfalhar a figueira.
O astuto Spinoza polia lentes.
A gente é certo morrer, queira ou não queira.
Os dias deixam de ser emergentes.
Rúi em ouro-velho o dia que novo foi.
Amara eu ter arte de carpintaria.
Isto é tudo mesm’assim – doer, já não dói.
Ter para o bocado de pão & a malvasia.
Fecharam a casa-de-pasto à minha mocidade.
Era ao lado do talho do velho Adriano.
Já só reconheço fragmentos da Cidade.
Ninguém me garante estar vivo para o ano.
Com versos escoro o iminente aluimento.
Alude é preferível a avalanche.
Petinga frita é muitíssimo bom lanche,
perdão, merenda é de mor merecimento.
Púrpura a trechos, mirai-me em derradeiro céu.
A Dona Maria fechou portas, mui me atristurou.
Foi operada, correu mal, deixa quanto foi seu
a um bardamerdas sobrinho que nunca trabalhou.
(...)
III
Aqui ao lado conversa-se placidamente. Mesas esparsas, hora temperada, pré-prandial-nocturna. Descuidosa sociedade aproveitando o instante.
Um dos homens é Franquelim, reformado da navegação mercante. Fez favores a outros, nada deve, sente-se bem na própria pele.
Outro é Albertino, aposentado público, julgo ter sido amanuense das finanças ou assim-coiso. Ainda é aparentado do Relvas-rico que mandava postas na importação do bacalhau e daí que tivesse amante fixa em Ílhavo.
Custódio bebe cerveja-preta. Teodoro ama & cria gatos. (Eu amo que amem animais.)
Aqui dentro escuto placidamente, faço os meus versos, vou de vez em quando ao balcão, bebo & pago no acto.
Somos todos, por assim dizer, Civilização.
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