21/11/2020

VinteVinte - 131 (íntegro)




131.

 

ETERNIDADE + EFEMERIDADE = INSTANTE

 

Coimbra, segunda-feira, 31 de Agosto de 2020



    I 


Aldeia interior, tantas vezes ínvia. 
Em regime de internato, pensão-quase-completa. 
Colhendo pomos & pontos (nem todos de-vista estes). 

Inventar a própria Pólvora. 
Rodar a própria Roda. 
Amestrar o próprio Fogo. 

E fruir as horas só por aqui partilháveis. 
Nenhum automessianismo. 
Só a automentira suficiente para r-existir. 

Só em livro (caderno, primeiro) deveras ter algo. 
Vê-se daqui a casa branca em sopé rochoso plantada. 
Charneca levando, lunar, ao mar. 

Os que mais um pouco sobreviveram, sobrevieram. 
Cordeiros defesos dando corriditas no verde. 
Pouco antes da força mor do Inverno, uma carta. 

Na cozinha pétrea, frascos & latas com minúcias. 
Mesa ampla em folha de mármore verde. 
Ou o tempo sendo verde na mesa (sobre que ovos, 

nozes, a couve, castanhas, vinho, broa, o peixe). 
Sim, esta aldeia faz-se livro para improvável povo: 
como o povo-dos-sonhos em privado cinematógrafo. 

Tudo bem, desde que por aí não faltem árvores. 
Ir limpando o mato espontâneo, prevenir o desastre ígneo. 
Plantar ano-sim-ano-talvez-ano-não. 

Salvaguardados aqui de sinistros escroques. 
Intendências nenhumas mancham poder aqui. 
Esta floresta resguarda benévolos faunos só. 

Depois, du-petit-salon, onde madeiras forjam silêncio. 
Não muitos livros, só alguns, e alguns licores. 
A janela, envidraçada a pé-alto, dando para rosais. 

Houve aqui a comovente senhora louca. 
Inofensiva, pensionista, incarnava a solidão. 
Agorafobia, algo assim, a restringia. 

Vinha vê-la um advogado seu sobrinho. 
Trazia-a a merendar à pastelaria defronte. 
Chá, bolinhos, um pouco de queijo, cálice final d’anis. 

Laranjeiras fremindo à brisa em pátio murado. 
Uma moçoila feliz canta desempoando tapetes. 
Passarada exulta em primavera só dela. 

Elevação promontória dá cimalha cumeeira. 
É um pico cabêço picôto geodésico. 
Lá, o vento perfuma-se de espargos & funcho. 

Manuel & Maria-Sol vivem mais para cá. 
Elói & Celeste, perto deles, mais a sul. 
Carlos & Eduarda, já quase em Santa Isabel. 

Perto de outro quadrante, mataram um homem. 
Foi há noventa anos – e à paulada. 
A terra não ficou bem na fotografia. 

II 


E se tudo existe ao mesmo tempo, 
incluindo o passado 
com tudo o que houve de futuro? 

    Comentando a figura, a obra, a passagem & a duração de Sören Kierkegaard, Eduardo Lourenço postula que: 

    “Entre a Eternidade e o Tempo não há compromisso possível a não ser o do Instante através do qual a Eternidade toma um verdadeiro contacto com o Tempo.” 

(Eduardo Lourenço, Sören Kierkegaard, Espião de Deus, derradeiro ensaio de Heterodoxia II, Coimbra Editora, 1967.) 

    O mesmo Eduardo Lourenço, in o mesmo volume, apõe esta epígrafe de Jorge de Sena: 

    “Não procures o que é efémero…; 
    Não procures o que é Eterno, 
    tu não podes saber, tu não chegas para saber 
    o que é ou não eterno.” 



E se morro sem que me seja respondido 
a Tempo 
o que pergunto nesta Segunda-Feira? 


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Canzoada Assaltante