100.
EXACTOS MESMOS
Coimbra, terça-feira,
14 de Julho de 2020
(Nem
depois de morto se está livre do fel de um fariseu ou do coice de uma besta. Posto
isto, entremos no trabalho poético do dia:)
Bill
Evans & Bernardo Santareno
Ainda
uma vez ajuntados num lent’ouvinte
Rosto
’inda cada um em cada rasto deixado
As
obras vivas resgatam da morte os corpos-autores
Depois
é mais vida no receptor
A
pessoa pode muito bem ir indo às compras
Ir
indo às compras & acontecer-lhe Bill ou Bernardo
Os
próprios ou a cousa por eles amada.
O
exacto mesmo ocorre sentindo
Carlos
Paredes & John Le Carré
Eis
dois mais que trabalham sempre
Dois
rios que urdem o próprio vento no canavial ribeirinho
Dois
tipos que fazem género não apenas humano
São
outra coisa para lá do que se nos permite
É
vê-los tomando qualquer coisinha ante o mar
Um
arquivando radiografias, o outro aturando o pai.
Sim,
Chico Buarque & Marguerite Yourcenar
Ao
menos uma vez na vida eléctrica, aguada
A
destruição periódica da Bélgica pelos Alemães
O
Fluminense listrado a verdegrenábranco
O
cancro invicto da companheira-devida-de-vida
Alexis
& Geni, por assim dizer
Tudo
enquanto ainda residimos no ar
Ou
em, por assim dizer, Adriano & Marieta.
Ou
Léo Ferré muito a tempo de Ruy Belo
As
pequenas coisas das pequenas casas
As
pequenas causas dos pequenos coisos
Aí
onde dói a lucidez, esse grau de lucidez do azeite
Bem
estará aquele que como acorde se deite
Não
sei, sei sim que se é & nada até na manada
“Ils
se mêlent à vous
Les
Artistes”.
101.
AO DESPERTAR DAS MÁGICAS
Coimbra, quarta-feira,
15 de Julho de 2020
(...)
(II)
(Roxo,
púrpura, lilás, violeta, turquesa.
Do
dilúculo sem névoa se aclara a incerteza.
Este
é o dia de dar uma volta a roupas & louças.
A
noite foi de esfarrapadas visões calabouças.
Algures,
áugures ressoam mortos ’inda comovidos.
Vozes
da brancura, corpos gelados par’ali ’stendidos.
Roxo,
púrpura, lilás etc.)
[III]
[E então Van Gogh, a páginas 88 daquele livro de cartas
a seu irmão Théo de que V. falei já, em Julho de 1880, assim:
“Há quem tenha na alma uma fogueira acesa, e ninguém vai lá aquecer-se (…)”]
IV
Aldina Romano, mulher de Gualter, residente com ele na povoação onde começa a rede de canais abertos à navegação mercante de baixo-calado. Ele é patrão-de-barco, ela gere a hospedaria. Seis quartos na sobreloja, sala-de-jantar & café no piso térreo. Vivem, vai dando para viver menos mal. Filho & filha emigrados em França, o rapaz em Nantes, a rapariga em La Rochelle. Ambos bem, graças-a-deus. Antes ambos nas franças do que por cá nas drogas.
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