105.
DOZE OU DEZ OU COIS’ASSIM
Coimbra, domingo, 19
de Julho de 2020
I
Às
dez para as sete, concluo a primeira leitura integral de Sangue e Prisão,
de Curzio Malaparte. Estou deliciado. O volume, a par do Gato, tem sido minha
companhia por cada alvorecer. Já há uma hora que lá fora clareou. Da página 47:
“Falavam
da sua cidade como um rapaz de vinte anos fala da namorada(…)
Da
50:
“Uma
cidade que se me assemelhasse, que fosse o meu retrato e também a minha
biografia.”
Livro
muitíssimo bem escrito, ritmado, aquarelado. Já ganhei o dia. Mais pérolas:
“Mas
agradar-me-ia uma certa inquietação oculta nos espíritos, porque os homens
demasiado satisfeitos, demasiados seguros de si e dos outros, revelam-se
incapazes de grandes coisas.” (pág.ª
53)
“Sentia-me
feliz, cheio daquela inefável tristeza de que é feita a nossa experiência de
felicidade.” (pág.ª 143)
“Agora
a nossa vida pertence-nos, nunca mais podemos dá-la.” (pág.ª 147)
“Compreendi
então pela primeira vez como a mulher está, mais do que o homem, próxima e ao
mesmo tempo estranha à morte, como a morte pode pouco sobre ela, quanto de
fúnebre e de imortal existe no seu amor de mãe, de irmã, de amante. (pág.ª 154)
“Tenho
uma vaga lembrança daquele tempo, como de uma idade virgem e antiga da qual os
homens até já perderam a lembrança, e que daí em diante a ninguém mais seja
concedido viver.” (pág.ª 180)
II
Uma
noite perfeita? Devo ter vivido uma dúzia delas, talvez. Não as acho muitas nem
poucas, são talvez as suficientes para metro de comparação em relação às
imperfeitas. Não conto aqui as da infância – essas são incontáveis, enumerá-las
& numerá-las são contas impossíveis. Pois são. Falo disto agora (início da
tarde dominical) por causa de um sonho que tive há horas. Os meus sonhos são de
uma lógica perversa. É o que me ocorre chamar-lhes: lógico-perversos. Mortos
& vivos participam deles sem mutuamente se estranharem. A época costuma ser
neutra, algo entre o presente & o perpétuo. E quanto às tais noites ditas
perfeitas? Julgo que, precisamente, as vivi em sonhos só. Dez vezes, talvez. Ambas
as mãos me chegam para arriscar a soma.
III
Homens
de há um século, as obras deles.
Livros,
casas, máquinas, paletas, pianos.
Mulheres
despontando como se chovera.
Animais
retratados em anos menos maus.
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