19/11/2020

VinteVinte - 124 (só um excerto do V)





124.

 

CARTAPÁCIO DE CARAGOS

 

Coimbra, sábado, 22 de Agosto de 2020

 

(...)


V


Era por calendas depois devindas gregas.
Ao cabo-sul da rua vigorava o sapateiro,
Juliana era feliz rés a seu noivo namoradeiro.
Augusta alisava 
de calças vincos & pregas. 

Eu era totalmente menino, até principesco.
Jogava à bola o dia todo – e tinha por refresco
o fontanário que subia ao sopé da Eduarda,
casada com um miliciano que largava nunca a farda.

Feliz & gentil, o senhor meu pai, acordeonista,
bailava a preceito – ou fazia que bailassem.
Magia: por mais estações que passassem,
não mudava o ano, não se saía da pista.

O trabalho era ganga-azul-fato-dito-macaco.
Azuis também os olhos: falo do bom Jerónimo.
Pai da doce Alice, recendia a tabaco,
daquele negro dos gôluàzes ou gitano cancerónimo.

O ano era só um. Tudo agradecia que nascera.
Verão-Inverno-Outono-&-Primavera
reiteravam o bom Vivaldi, que na rádio (s)urdia
os milagres-passarinhos-de-graças-ao-nascer-do-dia.

Pertenço hoje a um futuro que não ensejo.
O meu desejo não volta a ser teu beijo.
Fecharam o Turíbio. O Sílvio, deu-lhe a malapata.
Morrendo aliás o Toninho, a viúva deu logo a rata.

Oh!, os cães-queques atrelando burgueses por os relvados!
Oh!, o que aí vai de criadas agarradas a chupar-te-fónes!
Até já o quá-fâr da Ivone é ora Ivone’s!
E as merdas ficam à lua & encacam os descampados!

Não, digo não. Prefiro o meu mentiroso pretérito.
Fui triste em Peniche – e já não sei do Adérito,
esse que curtia coisas só dele & dele tão-só.
Era dali de Pataias, espera que já não morda o pó.

As minhas calendas gratíssimas eram novilatinas.
A Escola? Desmantelaram-na: não há miudeza.
Havia o Américo, o Rui, o Jorge & a Teresa.
Era mor o n.º de moços do que o de meninas.

Éramos pois, por assim dizer, australianos.
Somos o Austral Europeu, isso vem na Carta.
Havia o Rogério, o Rui, o Ramiro & a Marta.
No múndi era azul o mapa-dos-oceanos. 

(...)


Sem comentários:

Canzoada Assaltante