Coimbra, segunda-feira,
14 de Setembro de 2020 (IV-VI)
IV
Uma vez ainda me é dado o mundo
Saio um pouco na indiferente segunda-feira
Nenhuma revolução instiga desordens
Em recato de esplanada aproveito a luz.
Gentil gente néscia descuida de mortes
Renque de vivendas mostra florões cuidados
Por aqui os velhos & as moscas reconhecem-se
Crismaram de escritores as ruas do bairro.
Vêm ao pão & ao café-com-leite os aposentados
Amantes brasucas por aqui também moram
À tardinha os empreiteiros vêm fornicá-las
Deixam-lhes envelopes com o dinheiro da semana.
De quando em vez algum palerma vozeia alto
Futebol ou crimes comenta sem fundamento
Como os poetas, os patetas escutam a própria voz
Assim costuram as bainhas de seu mundo-nada.
Gosto da brisa suave dando na pele às camadas
Anseio por um outono que decerto não virá
É perpétua a torreira do verão-todo-o-ano
Isso sim me infelicita nada pouco.
Conversei um pouco com gente dos meus juvenis anos
Foi bom o bocado, de nós mal nenhum ao mundo
Informei-me de gente, alguma bem defunta já
Branda tristura nos chegou lume às mãos paradas.
Miro certa roseira de que minha Mãe não cuida
Outra mãe de outro poe’pat’eta a cuidará
É de retinto escarlate o conjunto rosário
Que sentinela monta à casa de que é.
(...)
Versejador em branco de nulidades estróficas
Não pareço quem fui, célere corredor de montes
Prometida promessa de um génio sem par
Parelhado afinal com o geral estrume de campos-santos.
Mal nenhum todavia: preciso é ir levando
Trazendo alguma coisa mais que só aniversária
E nunca dar abébias à facção contrária
Que a nosso mal vai velas negras rez’or’ando.
Sem prosápia excessiva, há ciência em tomar café
Longe dos desertos sobrepovoados da bípede lixeira
Guardando para si algum sentido, se algum
Sobra da evidente absurda autoritária nihilificação.
(...)
Sim, ontem naveguei sem grandes escolhos viáticos
Exerci a minha educação, que da PaterMaterCasa hei
Etc.
(V)
(Gostaria de poder ajudar-te – mas tal não acontecerá.
O que te falta – a mim me não sobra.
A cada um sua banca – de cada banca, cada obra.
Não há ajuda que possas dar – ninguém ta pedirá.)
VI
Fecho os olhos para mais bem ver, certas vezes. Nem sempre é instintivo. Também não é a favor ou contra a realidade, por assim dizer, normativa. É coisa minha que por escrito pode ser partilhada. Cá vamos:
Rua de ambos os lados muralhada a granito. Calçada irregular, granítica por igual. Tem de ser um inverno antigo, o frio é de cerrar mandíbulas, os ossos tiritam – mas não deixa de ser aprazível marchar sobre pedra entre pedras. A noite já desferiu em absoluto o seu golpe sideral. A brisa democratiza o perfume dos pomares próximos, invisíveis já mas rumorosos & odorosos sempre. Estar vivo não é a pior ideia.
Alguém escuta rádio baixinho. Um cão despede-se da jornada ladrando um pouco mas sem grande convicção. Há ainda lobos nas encostas que sobem lunarmente para oriente. Digo hoje – apenas hoje & nunca mais – por não teres acedido, ou sequer querido, a vir comigo.
Este lugar, o granito dele, a fruta que dá, a modéstia de seus cães, a discrição de seus locatários – pode ser habitado ao menos por escrito. Daí que pudesses ter vindo nem que fosse apenas lendo.
Se ele existe?
Fecha os olhos.
Mira-o aqui.
Sem comentários:
Enviar um comentário