Teixeira de Pascoaes
(1877 - 1952)
XII
Em suas casas de pedra privada, figuras como
Joaquim Teixeira de Pascoaes & Afonso Lopes Vieira.
tecem laboriosamente teias de significação.
Muito do que se chama Portugal lhes deve muito.
Conheceram serra & mar, que avizinharam.
Deixaram obra que se não furta à partilha.
Penso neles por este Setembro já ameado.
De momento nem serra nem vento me beneficiam.
Ao instante, nem mar nem espuma me lobrigam.
É tão-só um quarto com leito, cómoda, roupeiro.
Para palacete porém basta bem ao gasto.
Joaquim & Afonso, graves, hieráticos fantasmas.
Só com defuntos me intimo a tertúlias.
Os vivos são monótonos, andam todos ao mesmo.
Não são piores do que eu, nem eu do que eles melhor.
São apenas repetições de redundâncias, chuva em molhado.
Prefiro-lhes os solenes bêbedos de casa-de-pasto.
Estes raro fazem muito-barulho-por-nada.
Luís de Sttau Monteiro & José Cardoso Pires também.
Patuscos sábios, sabiam-na toda, algo nos deram.
Li de ambos muito novo, reli-os já madurote.
Compatriciam ambos bem a lusa maneira.
Tenho-lhes respeito sossegado, revisito-os bem.
Temo que depressa sejam esquecidos, todavia.
Firmo & afirmo estas coisas sem imprudência.
Cada leitor sabe de si, enfim, nem isto é ciência.
Eu ando aqui aproveitando a paginação segura.
Vergílio Ferreira sabia escrever – e mostrou-o.
Bernardo Santareno sabia de gente – e moveu-a.
Manuel da Fonseca observou admiravelmente – e expô-lo.
De tudo isto, que posso enfim partilhar?
Talvez muito pouco, talvez nada mesmo.
O Leitor é bicho em apuro & aparato de extinção.
Ele há pouco, hoje em dia, ele não há muito.
A rapaziada anda entretida com as net-maquinetas.
É lá com ela, enfim, cada um como cada qual.
Por mim, vou à missa ouvir o senhor Padre António Vieira.
Aquilo é coisa rica, torrente imaginosa, verbo-rosa.
Martim Codax (leia-se Côdas) tem essência, água em almácega.
Sá de Miranda é precioso, é de finíssimo quilate.
Dinis Machado mudou esta porra toda.
Garrett é um gigante, não menos.
Quanto a refugo consagrado, digo nada.
A vida é breve, tempo perdido não tem perdão.
Na mocidade, ainda gastei cera com ruins defuntos.
Não mais, não já – agora sei onde é o contentor.
Só nos antiquários compro livros.
Não compro merda doirada nem a deixo cheirar.
De resto, nós por cá como por aí Vós:
uns p’la Florbela Espanca, outros p’la Florbela Queirós.
XIII
Homens conversam encostados a muro branco.
Já a ampla noite alastrou de si a tinta-da-china.
Uma luz térrea significa cozinha ocupada.
Em laboração de vitualhas alguém amestra o fogo.
À varanda, alguém fuma sem pressa nem recado.
Vozeia longe o comboio-de-mercadorias.
A chuva prometida não aconteceu por aqui.
No terreno baldio, carros dormem sem sonhos.
Este momento não espera nem tem amanhã.
XIV
Setembro chegou a meão. A sufocação térmica não tem desarmado. Viver custa esforços soezes. Converso muito para dentro, pouco descerro as beiças. O Ano-VinteVinte piorou o absurdo existencial. Tudo mascarado, tudo dois-passos-à-retaguarda. O século mostra-se aziago desde infante. Só sucintos aspectos podem ainda encantar. Não muitos. Enquanto faço estes livros, o mundo enferruja, reitera crimes suicidas, devasta recursos, continua a sortear rifas-de-pacotilha a deuses-de-papelão. O Benfica perdeu na Grécia com o PAOK e veio borda-fora da Liga dos Campeões. Pois foi.
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