28/11/2020

VinteVinte - 141 (conclusão: XII-XIV, sem cortes)


Teixeira de Pascoaes
(1877 - 1952)



XII

Em suas casas de pedra privada, figuras como 
Joaquim Teixeira de Pascoaes & Afonso Lopes Vieira. 
tecem laboriosamente teias de significação. 
Muito do que se chama Portugal lhes deve muito. 
Conheceram serra & mar, que avizinharam. 
Deixaram obra que se não furta à partilha. 

Penso neles por este Setembro já ameado. 
De momento nem serra nem vento me beneficiam. 
Ao instante, nem mar nem espuma me lobrigam. 
É tão-só um quarto com leito, cómoda, roupeiro. 
Para palacete porém basta bem ao gasto. 
Joaquim & Afonso, graves, hieráticos fantasmas. 

Só com defuntos me intimo a tertúlias. 
Os vivos são monótonos, andam todos ao mesmo. 
Não são piores do que eu, nem eu do que eles melhor. 
São apenas repetições de redundâncias, chuva em molhado. 
Prefiro-lhes os solenes bêbedos de casa-de-pasto. 
Estes raro fazem muito-barulho-por-nada. 

Luís de Sttau Monteiro & José Cardoso Pires também. 
Patuscos sábios, sabiam-na toda, algo nos deram. 
Li de ambos muito novo, reli-os já madurote. 
Compatriciam ambos bem a lusa maneira. 
Tenho-lhes respeito sossegado, revisito-os bem. 
Temo que depressa sejam esquecidos, todavia. 

Firmo & afirmo estas coisas sem imprudência. 
Cada leitor sabe de si, enfim, nem isto é ciência. 
Eu ando aqui aproveitando a paginação segura. 
Vergílio Ferreira sabia escrever – e mostrou-o. 
Bernardo Santareno sabia de gente – e moveu-a. 
Manuel da Fonseca observou admiravelmente – e expô-lo. 

De tudo isto, que posso enfim partilhar? 
Talvez muito pouco, talvez nada mesmo. 
O Leitor é bicho em apuro & aparato de extinção. 
Ele há pouco, hoje em dia, ele não há muito. 
A rapaziada anda entretida com as net-maquinetas. 
É lá com ela, enfim, cada um como cada qual. 

Por mim, vou à missa ouvir o senhor Padre António Vieira. 
Aquilo é coisa rica, torrente imaginosa, verbo-rosa. 
Martim Codax (leia-se Côdas) tem essência, água em almácega. 
Sá de Miranda é precioso, é de finíssimo quilate. 
Dinis Machado mudou esta porra toda. 
Garrett é um gigante, não menos. 

Quanto a refugo consagrado, digo nada. 
A vida é breve, tempo perdido não tem perdão. 
Na mocidade, ainda gastei cera com ruins defuntos. 
Não mais, não já – agora sei onde é o contentor. 
Só nos antiquários compro livros. 
Não compro merda doirada nem a deixo cheirar. 

De resto, nós por cá como por aí Vós: 
uns p’la Florbela Espanca, outros p’la Florbela Queirós. 

XIII 

Homens conversam encostados a muro branco. 
Já a ampla noite alastrou de si a tinta-da-china. 
Uma luz térrea significa cozinha ocupada. 
Em laboração de vitualhas alguém amestra o fogo. 

À varanda, alguém fuma sem pressa nem recado. 
Vozeia longe o comboio-de-mercadorias. 
A chuva prometida não aconteceu por aqui. 
No terreno baldio, carros dormem sem sonhos. 

Este momento não espera nem tem amanhã. 

XIV 

    Setembro chegou a meão. A sufocação térmica não tem desarmado. Viver custa esforços soezes. Converso muito para dentro, pouco descerro as beiças. O Ano-VinteVinte piorou o absurdo existencial. Tudo mascarado, tudo dois-passos-à-retaguarda. O século mostra-se aziago desde infante. Só sucintos aspectos podem ainda encantar. Não muitos. Enquanto faço estes livros, o mundo enferruja, reitera crimes suicidas, devasta recursos, continua a sortear rifas-de-pacotilha a deuses-de-papelão. O Benfica perdeu na Grécia com o PAOK e veio borda-fora da Liga dos Campeões. Pois foi. 


Sem comentários:

Canzoada Assaltante