133.
UM SÓ NO SERMOS
Coimbra, quinta-feira,
3 de Setembro de 2020
I
Cá estamos. Ainda. Ao que parece.
Mundo em seu sítio totalitário.
Nem novos nem repetições somos.
Somos, parecemos, fomos – e perecemos.
II
Janela elevada de que Ângelo imagina o mar
Ângelo, bom rapaz, há tantos anos servidor de mesas
Salário quase mísero, as gorjetas o arredondam
E ainda assim ele vai-se levando em doca-seca.
No piso térreo franqueia loja Jeremias
Utilidades-Brinquedos-Ferragens-Panos
A radiofonia oculta em prateleira
Podemos comprar pregos ou bonecas ouvindo Chopin.
Já toda a manhã se deixou arder
Cheira já a bacalhau cozido no lar de Tinoco
Tinoco vale sozinho 8% do PIB da Noruega
Muito gosta o magano de bacalhau com bacalhau.
Clemência tem irmã freira & irmão na Venezuela
A freira, Benta de Deus, no Louriçal
Em Caracas, Quim-Zé, padeiro
Nenhum reverá os outros.
João Paulo pede esmola na dos Sapateiros
Agora insensatamente recrismada de Eduardo Coelho
Temos quase todos quase pena dele
A mãezinha morreu-lhe, era Graciosa.
Agora saberemos quanto custa ao Sol uma flor
Nós que de resto nem rosto nem rasto deixamos
E se retornamos à Rua é como volver à Lua
Isso sim, ninguém já cá mora, mas.
Livrai-nos, senhor, de senhorias
Nós somos um só no sermos a sós todos
Esse que aquece água em malga de folha
Esse que, por tostões, redige, em verso, petições.
A casa, pequena embora, chega-lhe bem
Abre a traseira para pátio-horta
Espelho mínimo, oxidado, pendurado de cordel
Octávio escanhoa-se de navalha cerce.
Rolam em espúria quietude os meses
Sardinheiras & manjericos pintam a Bandeira-Nacional
Em mansarda rubro-virente sob o azul-ferrete
É onde mora Preciosa, cuja idade nem Deus sabe.
Casamento houve feliz por aqui, António & Isabel
Isabel curtia António, meu-António lhe chamava
Separação veio, acintosa partilha, trocadilho se disse
Isabel passou a referir-se-lhe por meu-Antónimo.
Já Jerónimo – Louça-Branca-Faiança-&-Porcelana
– Já Jerónimo casou-se nunca, olha-o-diabo
A Besta-Suja é desejar rapazinhos
Castração química voluntária, só em sonhos não passa.
Quando já até pelos versos entardenoitecia
A nova veio de Marília ter sido mãe
Era menina – o pai porém da infanta, José Maria
Nunca mais veio ser pai: sabe dele alguém?
Riem-se dele, ele é Albertino, rir-se não deveriam
Albertino foi marítimo da Mercante, maluqueceu
Algum neurodesgosto, algum melindre
É dono de seu reduto mas nem cão tem ou papagaio.
Nenhuma história nisto – História porém sim
A do mato-anonimato que giramos, neandertais.
Outros tais fazem cafedabrasileiratertuliamente
Soluções bica-bagaço mais transcendentais.
Celso, grande, pedreiro & bom-de-essência-gema
Mulher estéril. Ele não desistiu dela
Telegrama. Amo-te Celsa Deixa Lá Isso. Celso.
Stop.
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