17/11/2020

VinteVinte - 123 (alguns trechos mais desse dia 21 de Agosto de 2020)




VI


Sonhei ontem (deveras sim, sonhei) com Manuel,
o que se matou em remoto pinhal litoral.
Conhecera-o eu havia mais de trint’anos.
Eram bons tempos, ambos d’ar fazíamos luxo.
Não conhecera ele então aquela putazita
no bar-d’alterne a dez km da praia.

Teve ela artes de manietar Manuel
jurando-lhe por filho dele o balão dela.
Casaram-se de capela & filarmónica,
nada se coteja ao amor que nos beija.
Apareceu só então o brasileiro, natural
afinal pai daquela prenhez sem literatura.

Sonhei com tal, acordou-me laivo de amargura,
a história é verídica, mais do que só verosímil.
Manuel é morto, a puta ainda usa rímel.
O nascido é feio, é oferta sem procura.

(IX)

(Pergunta-me Felício se espero da vida renovação.
Digo-lhe que sim – mas da geral: cá da minha, não.

E ele arvorando-se jeitos de querer saber porquê:
e eu sem porques que dar a quem não escreve nem lê.)

XII

Este diário é mormente feito de dia,
à noite logro dormir em analgesia.
Habita-me muita coisa (alguma da qual, gente).
Não possuo passaporte de diferente.

Havia rente ao barbeiro a oficina de motas & bicicletas.
A lama era normal da rua, chovia mais.
Estas imagens não se me volvem obsoletas.
O vento, vento era – e vergava os canaviais.

O sono imita a morte como o tempo imita o rio.
Ser-se humano não tem torno, muito menos volta a dar-lhe.
Se a alguém prometes, faz o mor por não falhar-lhe.
Quando ’inda Mãe havia, havia Inverno mas não frio.

Agora não é agora: é um perpétuo estado do dizer,
triste timbre de diaristas que se dão ao escreviver.
Penso porém (a sério) ainda bem me ir a tempo
de responder lá no Lar dos Velhos: – Sempre tive o meu momento.

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Canzoada Assaltante