Manuel da Fonseca
(1911 - 1993)
IV
A base está nos Gregos.
Dúvida nenhuma.
Alguma historiografia portuguesa é sólida.
Alguma poesia portuguesa é invencível.
Parques-naturais, sim; jardins-zoológicos, não.
Velhas em colchões mijados sobre dinheiro que nunca viu sol.
Bárbaros atirando lixo ao chão dos outros.
A Kultur alemã é indubitável.
Muito suicídio na Suécia, pelo menos antigamente.
O ódio ao politicamente-correcto é dever de cidadania.
A morte levou-me família & amigos:
empobreço sem apelo & com agravo.
Dois bravos Franciscos: Manuel de Melo & Rodrigues Lobo.
Falei uma vez com Manuel da Fonseca.
Uma vez com Lima de Freitas.
Uma com Luiz Francisco Rebello.
Duas com Mário Castrim.
Uma com José Cid.
Uma com Fernando Tordo.
Uma com Manuel João Vieira.
Duas com Júlio Pereira.
Uma com Camané.
Muitas com o meu Pai.
Na base dos Gregos está o meu Pai.
Dúvida nenhuma.
(V)
(Lembro-me de um chinês a dizer, na televisão, que gostava muito de morcego-fumado cozido em leite-de-coco. Chama-se a isto “cultura”. Bardamerda mas é.)
VI
Nunca daqui sairei – ainda assim, navegarei.
Pertenço aos lampiões dos caminhos mais sozinhos.
Sou da terra a que retornarei, dada a hora.
Outros (que todos são) como eu tal se cumprem.
Há nesta involuntária solidariedade certa beleza triste.
Como, em merendas públicas, ver crianças alegres:
sabendo o que lhes devirá em adultas.
Ou o calor que os boletins meteorológicos ameaçam & cumprem.
Penso em amigos idos meus mais do que talvez devera.
Deveras sim o faço: o Tó, o Zé, o Luís, o Caniço, o João.
São património meu, comigo bebem de mais.
Continuo sendo, sem eles, promess’adiada.
Dever dinheiro não é, enfim, dever satisfações.
Em restritas águas-furtadas cozem pobres um ovo.
Têm batatas-cozidas, sobrou de ontem pão.
Um fio-d’azeite, uma pouquíssima de vinho.
(...)
Às tantas, dou por mim envelhecidamente.
Certo é que sei gramática, astronomia nem tanto.
(Mas já falei com estrelas - cf. supra.)
A poesia é a primacial banha-da-cobra.
Dela me sirvo para re(vi)ver meus Pais serenados.
(...)
Soube hoje do equívoco suicídio de Cristina P.
(Dizem que defenestrou o marido, por dinheiro.)
Boquiabriu-me a má-nova, aqui perto ocorrida.
O dinheiro é mãe-de-porcos, avô-de-porcarias.
Antigamente, desfolhava-se o milho, havia eiras.
O rio-da-velhice não tem leito nem beiras.
Ser-se simples, sim: simplóide é que não, nunca.
O meu Irmão deu-me um relógio, depois um par de sapatos.
Agora, é morto – não dá nem aceita.
Sinto-o em paz – o que porém me não pacifica.
Tenho feito muita poesia em estaminés
cujos donos não sabem quem sou nem és.
Quando rimo, primo.
Quando não, avejão.
(...)
(O meu Pai permanece-me.
Imito-o sem carnaval.
Sou sozinho nisso: apetece-me
ser dele - & de Portugal.)
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