16/11/2020

VinteVinte - 123 (I)


Adolfo Simões Müller
(1909-1989)
(na 1.ª pessoa: https://arquivos.rtp.pt/conteudos/um-dia-com-adolfo-simoes-muller/)



123.

 

EM DIRECTO & AO VIVO DO CAFÉ CHIADO

etc.

 

Coimbra, sexta-feira, 21 de Agosto de 2020

 



I 

Talvez Campolide, talvez o pequeno Adolfo. 
Adolfo Simões Müller, a criada Isabel, 
a professora Emília (Figueiredo), 
o amor cedinho aos livros crescentes. 
A vizinha Joaninha, o ilustrador Simões Correia. 
Oficinas de São José, dar lição a rapazes. 
Gramática, História, Ciências, papel tudo. 
Botânica, Onomástica, muito Portugal. 
A criada Sérgia, Alexandre, António. 
E Luiz, Joaquim, Afonso – e Inez. 

Doze (ou Treze) de Inglaterra, seu Magriço. 
Adolfinho, que bela existência em eco. 
Onze assinaturas diferentes, as de William S.? 
Café Chiado, antes livraria frequentada 
por um Júlio Dantas, entre demais fantasmas. 
Carlos Queiroz, Teixeira de Pascoaes, 
Mário Beirão, Ramada Curto, 
bicas no Café Chiado, galeria insigne. 
Cemitério egrégio, tertúlia movediça, 
areia de areia de vento na areia. 

Arcádias & arcadas de obstinada lembrança, 
hoje ao lixo vetusto & adusto das velharias, 
muitos chapéus sobre fatos-completos, 
sapatos indelevelmente engraxados, 
noute em vez de noite, rádio em surdina, 
o nosso fascismo parece até manteiga, 
joeira-se a palha, pouco grão afinal, 
às vezes uma pérola antíqua fulge ainda, 
essa Lisboa foi entregue aos bichos 
cujo caruncho é a desmemória obrigatória. 

O reino é de facto cadaveroso, o silêncio é vil. 
Pode uma página destas rasgar algum? 
Eu não sei, é próprio desta casa o pântano. 
Maravilhosas madeiras, mas em casa alheia. 
Fantasma benigno de Júlio Diniz. 
Espectro colossal de Jules Verne. 
Fugidia verdade histórica, as mãos são ossos. 
Olavo, David, António B., meão século. 
Sombra de padres, bafio a sacristia. 
Mineral até o ar mesmo, Rua Capelo. 

Candeeiro-de-leitura de copa verde, 
fotografia com rapariga de preto & azul, 
carneira livresca profusamente aleatória, 
pintura com rosto de criancinha clássica, 
a chuva não chove como soía, 
é penoso por vezes ser vivo de dia, 
esboroa-se a profusão aleatória minuciosa, 
como pagar os direitos a quem de direito, 
Adolfo pagou o Tintin a Hergé 
mas em latas de sardinha & chocolate 

em prol de um irmão do belga 
encarcerado então (1942 ou 3) pelos nazis. 
Também o professor Prado Coelho 
(pai do mais famoso Jacinto) 
era um camiliano fiel, 
isso sim, dizem que sim, há muita coisa. 
No horizonte-próximo, todavia, morre o livro. 
Tom Sawyer & Huckleberry Finn em quadradinhos, 
Strogoff, Capitão Nemo, Príncipe Valente,
todos, eles também, no extinto Café Chiado.


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