109.
“VISÃO, LEMBRANÇA E ACTO”
Coimbra, sexta-feira,
24 de Julho de 2020 (I-IV)
Coimbra, sábado, 25 de
Julho de 2020 (V)
Coimbra, segunda-feira,
27 de Julho de 2020 (VI)
Coimbra, terça-feira,
28 de Julho de 2020 (VII)
(...)
III
Lamento talvez pouco de mais
Não é lamento o vento, uivo o dizemos por antropomorfia
Há gente pior do que quem escreve, como melhor também.
Penso em ti como em acidente de beira-estrada
Triste seria crer ainda em carochinhas remediadas
Trípticas estâncias não chegam a tuas expensas.
Vi outro Largo da Portagem em diversa idade
Esta Portagem hoje morreu amanhã, nada obsto
Quem eu lá via, não reverei, assim é-será.
IV
Volta de autocarro, sai no largo, vai para casa.
O tempo toma conta do pessegueiro, o sol doura.
Anilha de prata a pomba leve, a tarde é loura.
O coração é já maduro, já se não extravasa.
Homem simples de roupa lavada & casa em concerto.
Pisa o mármore antes que ele a ele pise.
Dar do modo certo o pão a quem precise.
Custa muito pensar em água no pleno deserto.
Um espírito matemático sabe que resto isto dá.
Foge do enxovalho, não saiba uma mão o que a outra dá.
Aproveita já o que não espera, não recebe & não dá.
Não vai para casa porque a casa mudou de gente.
O ar cheira a outro sítio, é clã diferente.
O próprio não é já o mesmo, mudou de ente.
(E de repente.)
V
Quem venha por bem tem por contraste
quem boa coisa não traga por motivo.
O social condena-se a tecido vivo
que a morte não enjeita por bom traste.
Em seu-mesmo-de-si livro, Camões
em o Velho-do-Restelo se condena.
Esquecido é de ser a mais dura pena:
fama, nem memória sofram gerações.
À merda o smartphonista & o oblíquo
tenaz ignorante da coisa prestante.
Eu mando à merda – e sigo adiante
– ao soez, ao canalha, ao vil, ao iníquo.
VI
Um rapaz chamado Gordon Walsh veio a Portugal conhecer os meandros do negócio de que a sua família vivia & prosperava há quase um século. Chegou por meados de um Junho diferente. Já a sombra era tórrida, como nos céus sombras eram, fantasmas de si mesmas, as aves incineradas sem piedade nem remédio pelo meridiano.
Vivia cá uma Júlia, ninfa singela do clã Castilho Viegas, com que os Walsh de Northumberland negociavam desde sempre. Era donzela pronta para cópula legalizada. Exerceu-se o sacramento. Não tenho mais grande coisa documentada sobre esta teia. Ou tenho, mas través diversos, diferentes nomes que não vêm ora ao caso – ou casório.
VII
Vitalínia Botanvila, Norton em casada.
Interrogou sua mesma particular natureza.
E algumas respostas – ou novas vias – logrou.
A uma mesa pernalta dedicou horas fundas.
Sitiou, invadiu & tomou países ínfimos & privados.
Entr’actos compôs simplesmente existindo.
Mas poucas coisas são si-mesmas simplesmente.
Como por exemplo as cartas que enviou.
E talvez mormente as que decidiu não remeter.
Alusiva, elusiva, ilusiva – tudo foi.
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