© Edward Hopper - House by the Railroad (1925)
Souto, Casa, tarde de 13 de Janeiro de 2010
"Trata-se de receber a vida como uma
ferida e de a deixar ao ar cicatrizando."
João Miguel Fernandes Jorge, Actus Tragicus, 9
Além do que me ensinaram em casa,
Mishima é possível certos instantes da vida,
outros nem por isso.
Relicários frios são mobília pública,
digo,
aquele campanário,
aquela chaminé de extinta arrasada fábrica,
aquele casal de cegonhas no topo daquela chaminé.
O problema é certas pessoas morrerem-nos.
Outro problema é certas pessoas nos não viverem.
Fulguremos.
Junho vivamos por dentro sempre que o quisermos.
Como na noite do cais os mastros aos astros apontam,
fulguremo-nos.
Está bonita a brincadeira,
viver.
Mishima decidiu que não,
não mais,
certo dia de 1970.
Trieste e Bucareste, Ardenas e Atenas,
Pequim e Bensafrim, Goa e Lisboa,
Sesimbra e Coimbra, Setúbal e Tentúgal:
campos humanos do herdado mundo
por que florescem as solidões e as demandas,
o comércio e a pobreza, assinaturas civis
das existências.
A vida,
o pouco que nela acontece
muito a gente o lembra.
Fazer o possível por controlar os sonhos o que é?
É uma forma de auto-evisceração.
Não tem mal algum, na condição de se não fazer fiado
aos fantasmas que povoam lacunarmente
os sonhos, os corpos que (se) sonham.
Natais antigos, hoje pulverizados como a casa
onde celebrados foram, fazem de nebulosas
emocionais no firmamento daquele que
recorda.
Unhas compridas afiadas pintadas envernizadas lacradas:
às vezes a vida parece-se com elas,
quando é insuportável
parece-se com elas.
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