Souto, Casa, tarde de 11 de Janeiro de 2010
1. Revoada fresca de eucaliptos na linha do olhar que recorda.
2. Manteiga de vaca em papel pardo comprada avulso uma terça-feira.
3. Guinadas da pouca luz do dia (um dia) por causa do que chovia.
4. Café Angola, Coimbra, a condição ferroviária dos solitários.
5. Escola de Dactilografia Júlio Lages, Coimbra, fechada para sempre.
6. Café Nau, Peniche, do senhor Álvaro, no Inverno de 1986, onde?
7. Dragão da Rua Larga, Coimbra, casacos e cheiro a fritos.
8. O mendigo das barbas imaculadas, alvíssimas, com calendários.
9. O António Polícia que vivia nas ruas com muitos cães.
10. A GNR a cavalo, altíssima, respeitabilíssima, assustadora, bela.
11. Os catrapilos mordendo terra para fossas de saneamento básico.
12. A professora de piano Alice Amélia na Rua Alexandre Herculano.
13. 1976, reflexo à passagem na montra da Tito Cunha, Rua da Sofia.
14. Cachorros com mostarda e trinaranjus no Colmeia da Visconde da Luz.
15. O primo do Zé Lima com cancro no nariz.
16. O senhor Jeremias levou a família para Aveiro e nunca mais voltaram.
17. O Zé do Senhor Arménio a cair do carro-de-bois, o braço aleijado.
18. O Augusto a entrar na classe vestido de luto, o Professor a abraçá-lo.
19. As capas de Carlos Alberto para o Mundo de Aventuras.
20. A Nau dos Corvos deixando-se ir, deixando-se ir.
21. A Maria da Luz e a Fátima Feitor, a Maria José Abrantes Bernardes e a Fátima Maria Costa Branco, três vivas, uma não.
22. O coice eufórico da primeira poesia.
23. O aroma a café, sinédoque da Mãe.
24. A probabilidade inglesa de uma metempsicose privada.
25. Uma bicicleta vermelha, uma bicicleta preta.
26. A raposa embalsamada do barbeiro da Estação Velha.
27. O cozinheiro do Reduto visto de costas em 1994 cortando um frango.
28. A gabardine do Pai usada no Fim-de-Ano de 1991.
29. Entre 1970 e 1974, pesar e medir no Magistério Primário para a estatística.
30. Café Abadia, a S. José, Coimbra, a generosidade infinita do Irmão Fernando em bolos e sumos.
31. O irmão do Canino levado em oferta aos donos do Safari, na Rua dos Combatentes.
32. O perfume marca Finita da T.
33. Fernando Pessoa explicado por Jacinto do Prado Coelho, leitura na biblioteca das Matemáticas.
34. Não sendo terça-feira, com a São Pinto na Leitaria do Raul para tostas de galinha e falar de Fausto e de García Márquez, ano lectivo 1982-83.
35. No poço que se chamava Frigorífico, Choupal, a malta do andebol toda nua, manhã muito cedo de um sábado.
36. O Manel Garrafão todo desfeito na linha do comboio do Loreto.
37. A explosão de gás no Café Sofia que matou a senhora mexicana ao projectá-la para debaixo do trolley e
38. a arca dos gelados virada, os rapazes-pardais da Rua Direita saqueando tudo sobre estilhaços de vidro, através dos gritos, os meus Irmãos Rui, Jorge e Fernando a pegarem-me ao colo para que me não cortasse.
39. O caixãozito branco na casa dos Cucos.
40. Depois outra vez, outro caixãozito branco na casa dos Cucos.
41. O Leandro bêbado ao fim do dia a dizer palavrões contra o resto do mundo.
42. O mundo começar no marco geodésico do Picoto.
43. Os aviões a jacto no veludo alto da noite.
44. O senhor Barroca e a senhora dele em Taveiro.
45. A Rua Nicolau Chanterene, Coimbra, levando ao Trianon.
46. Em Dezembro de 1993, no Arco Bar, feliz e sozinho e feliz.
47. Os espanhóis de Navarra que tinham perdido o parente no acesso à ponte da Figueira da Foz, com eles ao hospital, à polícia, a jantar.
48. O senhor Dinis do Café da Pernambucana, senhor engenheiro, senhor arquitecto, senhor doutor, senhor professor.
49. Pouco mais do que isto e
50. depois uma pessoa, isto é
51.
Sem comentários:
Enviar um comentário