Souto, Casa, manhã de 5 de Janeiro de 2010
Demora-se muito ano a ser moço outra vez.
Muito ano gasto em livralhada que faz mal à vida.
Muito ano gasto em livralhada que faz mal à vida.
Tanto livro e uma só vida, só.
Ainda assim, muita vida.
Também vai um bocado da pessoa.
Não anda tudo ao mesmo, acho.
A pessoa é uma pedra muito rara.
O mais são pessoas apenas semipreciosas.
Um homem de chapéu-fato-sombrio na luz do cais.
Uma mulher envolta de sedas num salão-de-chá, uma quarta-feira.
Uma igreja aberta uma vez só por ano e de noite só.
Um só olhar alberga dois bandos de pássaros em situações distintas.
A criança ainda aqui dentro, morta por chegar a velha.
Ir ao Algarve com o marido, ingressar na horda semipreciosamente.
Ir à merda com a esposa, regressar por assim dizer feliz, coitado.
Muita gente, pouca pessoa.
Pouco oiro, muito zinco.
Demora-se muita hora a ouvir asneiras.
A tremenda humanidade vulgaríssima dos telejornais.
A mentira multitudinária da civilização.
As secretarias, as menopausas, as barras de chocolate com cereais, os gases do chefe.
Tufos de margaridas num varandim de velha solteira, ainda assim.
O perfil gráfico do gato, a tudo superior, lindo de viver, dono das ruas.
A câmara-ardente de pensar com os olhos tudo o que mexe e não mexe.
Horas concretas como paus.
Raras porém as que rondam a românica S. Marcos para um coral na noite.
As pessoas não estão fora dos grandes centros comerciais iguais banais.
Duas gotas de perfume exsudadas pela artificial gardénia francesa.
No Hospital Garcia da Orta, urgências atrasadas catorze horas, as pessoas
que se fodam, também quem as mandou não saber Espinosa nem nada.
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