11/01/2010

É a V. - ou - Liquidação de Toda a Existência, como se Diz nas Lojas

Souto, Casa, entardenoitecer e noite de 11 de Janeiro de 2010


Algumas pessoas vêm aqui, deixam-se como velas ficar ardendo sem ser para iluminar, não falam por não ser preciso falar, deixam-se ser no propósito único de estar.
Fora, a cidade bascula-se sem autocrítica, barcos trabalham no porto, costureiras pespontam, uniformes a cavalo patrulham, as floristas falam, essas sim, muito.
Também os mendigos trabalham em zonas de origem demarcada, conhecem os agentes de polícia como os agentes de polícia os conhecem a eles, à esquina oriental da estação ferroviária os homos casados cinquentenam suas luxúrias melancólicas à cata de liceais imberbes.
Lois, Levi’s, Miura, Spencer & Jones, Chivas Regal, Beefeaters, Swastika, McLoud, as lojas dão a benefício de inventário espólios e existências, farmácias atendem velhinhos pretendentes a viver além do centenário, não se sabe porquê nem para quê, senhoras de aluguer enrolam tabaco frente ao expositor de artesanato em louça.
Diferentes as pessoas-velas que aqui vêm estar, não para falar nem iluminar. Saciadas de viver com objectivos como os vendedores de apartamentos, seguros, bisnagas de gel, carros, brinquedos electrónicos e meias de mulher, as pessoas que aqui vêm, não sorrindo, sentem-se menos mal, liquidadas menos um pouco. Serve-se-lhes chá de camomila ou de casca de maçã, acalmam-se sem uma sílaba, sem uma queixa, sem uma confissão. Dão o nome à entrada e não marcam hora de saída.
É a vida.

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Canzoada Assaltante