Souto, Casa, noite de 4 de Janeiro de 2010
Somos a nossa mesma mais próxima circo-instância.
Uns temos (e queremos mais) colonatos na Cisjordânia.
Outros patinhamos nas inundações australianas.
Há gente em Helsínquia.
Morreram queimados uma data de operários e operárias no Grande Incêndio da Triangle Shirtwaist, em NYC, no ano 1911 d.C.
Uns queimamos os dias a rolar nomes de pessoas, algumas das quais vivas ainda talvez, não sabemos, marcadas desta ou daquela maneira pela II Guerra Mundial. Até à noite do quarto dia do ano 2010 d.C., um dramaturgo inglês, Bernard Kops, deu-se ao rol. Ele e dois lordes da hierarquia britânica de então, Lord Chandos e Lord Boothby. Mais discretos, Hans Kehrl, Konrad Morgen, Heinz Reinheimer, Hugh Greene, Ewald von Kleist, Heipke Remer, Werner Pusch, Christabel Bielenberg, Siegmund Weltlinger e Emmi Bonhoeffer, para já.
O iceberg soviético colapsa em 1991 d.C.. Tal como o III Reich hitleriano, também não durou mil anos. Nomes que falam disto no ecrã de vidro: Michael Stürmer, Norman Birnbaum, Sergej Khrutshev, Vladimir Kryuchov, Timothy Garton Ash, Wolfgang Leonhard, Valentin Falin, Leonid Luks. Susan Boyle não aparece por estas bandas. Vê-se passar o Romanov-mor, o segundo e derradeiro Nicolau. Salários miseráveis em São Petersburgo, Minsk e arredores. Jornadas de trabalho escravo de dezoito horas. Muita polícia, antes e depois daquele Outubro incontornável do século XX d. C.. Sir Paul McCartney não integra a Liga Revolucionária para a Libertação da Classe Operária. Bolchevique significa detentor da maioria. Menchevique, idem da minoria. Fé e falácia, evolução, revolução e involução. Conhaque e vodka de alambique popular e muito frio, muita neve, muito vento cortando. Massas na rua. Brancos versus Vermelhos. Kerensky. E Lenin, por enquanto refugiado em Zurique, Suíça. Mais solidão pública do que solidariedade trans-individual, como hoje ainda e amanhã também. O fantasma vivo e assombroso da Alemanha, entre Catorze e Dezoito e além d.C.. Uns rapazes cá de Bragança foram morrer à Flandres e arredores franco-belgas por esses meados. Em Maio de 1917 d.C., exacto mês do embuste anti-republicano de Fátima, Trotsky regressa da Sibéria. Organiza o assalto ao Palácio de Inverno. Tem êxito. O analfabetismo popular passa dos oitenta por cento nas estepes russas, não só na Cova da Iria. O Conselho dos Comissários do Povo toma posse do Governo. Tréguas com a Alemanha e retirada da Grande Guerra: em 1941 d.C. voltaremos a falar. Expropriações de latifúndios, a terra a quem a trabalhava. Bem. Eusébio da Silva Ferreira não se meteu ao barulho. Indústria por desenvolver. Teorias de um lado, práticas dos outros. Abolição da propriedade privada dos meios de produção, mas não completamente pela cartilha marxista. Isaac Berlin garantindo que um Marx ressuscitado se diria não-marxista. A 25 de Novembro de 1917 d.C., as mulheres, pela primeira vez, participam das eleições. Fundação da polícia política, a Tcheka. Rostos obnubilados, pretibrancos. Democracia de um só dia: dissolução da Assembleia Constituinte. Leninautocracia. Quem não for bolchevique, que se vá e cá não fique. José Cid, nem piu. As massas em irracionalidade, como sempre, ou, como diria José Cid em caso de piu, ontem-hoje-e-amanhã. Força armada, arma forçada. Muito frio, muita neve, muito vento cortando. Fins que justificam os meios desde o princípio. Cossacos revoltosos a Sul. Com os czaristas renitentes, tornam-se os Brancos. A Triangle nova-iorquina ardeu em 1911 d.C.. A partir de 1918 d.C., aldeias inteiras ardem pela nova União Soviética. Na Alemanha, é a Era de Weimar. Os sovietes alemães, porém, no pasarán. O propósito de uma Revolução Mundial chega a menos de Hemisférica. O Ocidente bebe coca-cola e água-benta. A 9 de Novembro de 1918 d.C., um tal Scheidemann, social-democrata, renega-se à bolchevização da Alemanha. Social-democracia e comunismo teutónicos irreconciliam-se. KPD, Rosa Luxemburgo, Spartakusbund, confusão de magotes, bombas carbonárias, tiros e pedradas e carnificinagem à larga. Rosa nasceu na Polónia e foi para Berlin um ano antes de Eça morrer em Neuilly, Paris. Era o ano 1899 d.C. Fernando Pessoa tinha onze anos. Hitler, dez. Nada a ver. Porta de Brandeburgo, 6 de Janeiro de 1919 d.C., deposição do Governo Provisório na Alemanha, bandeiras vermelhas, rebeldes espartaquistas, mais carnificinagem pelas mãos direitas do Freikorps. Putas de classe e luta de classes. A República de Weimar, burguesa, é ditada a 19 de Janeiro do mesmo 1919 d.C.. Trotsky, lá em cima no mapa, forma um exército de cinco milhões de soldados (meio Portugal de hoje). Os Vermelhos vencem a guerra civil contra os Brancos. A Grande Fome da época mata cinco milhões de (também cinco milhões) de pessoas. Supressão de focos revoltosos por toda a parte. Junho de 1920 d.C.: II Congresso da Internacional Comunista, em Moscovo. Álvaro Cunhal tinha sete anos menos cinco meses de idade, portanto não foi lá. Alfabetização popular em extensíssima escala. Luta dura contra o obscurantismo religioso. Combate sem tréguas aos saudosistas da Outra-Senhora, que no caso era a mulher de Nicolau II, aquela que sustentava o morcego Rasputin. Sistema do Comunismo de Guerra: trotskyanamente falando, militarização do trabalho. As filmagens repõem a Greve de Petrogrado (Janeiro de 1921 d.C.). Liberdade de expressão – queriam-na, mas não, brincamos ou quê? Quê. Outros partidos, também não. Ataque bolchevista a 7 de Março de 1921 d.C. aos marinheiros rebelados em Kronstadt. Sangue báltico. Primeiros julgamentos público-moscovitas: the show must go on, em russo talvez seja assim: Шоу должно продолжаться. Longas penas de prisão, execuções em barda: Ut(iro)topia. Ortodoxia, economia, euforia e escárnio, oposição igual a exclusão. Purga atrás da orelha. Reabertura do mercado de acções, da banca, força do rublo. Na sombra, Stalin serpenteia já e já baba visco. Lenin é levado para uma propriedade rural perto da cidade de Gorki. Vai – ou levam-no – mortalmente doente. Morre a 21 de Janeiro de 1924 d.C.. Trotsky em bicos de pés, à bailarina de Bolshoi, para ascender ao pedestal primo. Bem se lixará, no exílio mexicano, também a 21 mas de Agosto e de 1940 d.C.. O Bigodes da Geórgia sabe o que quer, para onde vai, nunca se engana e raramente tem dúvidas. Klaus Hoepke, último ministro da Cultura da RDA, fala de Lenin. Michael Jackson é que já não pode fazer o mesmo. A partir de 21 de Janeiro de 1924 d.C., morto Lenin, o futuro torna-se mais fosco ainda. Stalin seca tudo em seu, dele, redor. O Titanic, glória rápida de 1912 d.C., demorou menos tempo a afundar-se.
E na noite do primeiro dia do ano de 2010 d.C. morre a cantora americano-mexicana Lhasa de Sela.
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