11/07/2005

O Corpo de Volta

Depois de tantos anos pendurado da alma ou das árvores, o meu corpo está de volta a mim.
Em vão, pelos vistos, o exilei.
Sei de vago modo por onde andou e que andou fazendo, mas só agora me dou conta de quanta falta me fez.
Podia tê-lo vivido, posto a meu serviço.
Não o fiz e, embora não seja tarde de mais, julgo, há coisas que ambos perdemos sem remédio nem resignação.
E se as más vontades julgo que estou a subdeclarar mulheres, não estarão de todo enganadas.
Também, claro que sim, mas não tão-só.
Há mais coisas para que um corpo é útil.
É preciso para se regressar do mar, por exemplo.
Sem corpo à mão, a alma fica lá, lânguida e embrulhada na ondulação como uma alga.
É bom para ir ao mercado sopesar os frutos, auscultar o coração dos morangos e dos melões, unhar o ouro de lei das laranjas, tocar o vidro embaciado do olhar dos peixes, transportar a fome ao tabuleiro da mulher dos bolos, deitar sombra fresca como água aos baldes de flores.
Está de volta, agora.
A questão, agora, não é o que vou fazer dele, mas que vai ele fazer de mim.


Tondela, 10 de Julho de 2005

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Canzoada Assaltante