22/07/2005

O Alívio




Recordo: o alívio de, comparada a vida com o céu nocturno de Verão, a dor não ter sentido. No sentido de não ter aonde ir. A dor, não ter aonde ir a dor: o alívio.
Era outro Verão. Tinha anoitecido. Cheirava a feno e a animais cansados no limite da doçura. O ar podia arredar-se à mão como a uma cortina.
Tudo tinha o ar de ter vivido o suficiente. As coisas mundiais muito bem dispostas no tabuleiro largo: o céu estilhaçado de cardumes de cristal, o monte de veludo negro parado como um touro, a terra estremecida de silveiras e ratos, os olhos do menino expostos à mais pobre e terrena imitação das estrelas: os pirilampos.
Eu não podia saber mais do que tudo. E tudo era a sombra ambulante de meu Pai: dupla sombra. Então, nessa outr’ora hoje falseada por minhas artes e manhas de aliviado, a felicidade era a moeda que luzia na arca.
Hoje, não tenho em que gastar esse dinheiro sem câmbio nem remissão. Não importa. Olha o céu.


Pintura: Dia de Vento, por Mylnykov
Texto: Pombal, 13 de Janeiro de 2005

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