I
3 x 4
Os operários da construtora
não sabem ler, nem escrever,
mas todos os dias
misturam cimento, cal e areia
e fazem poesia concreta.
José Rocha
II
Enquanto o homem pensar
que vale mais que outro homem,
são como os cães a ladrar,
não deixam comer, nem comem.
António Aleixo
III
Aberta
estende
reclama
ternura
Frágil
de palma voltada
Quando se fecha
sobe no braço
é arma apontada
António Borges Coelho
IV
ARRE, que tanto é muito pouco!
Arre, que tanta besta é muito pouca gente!
Arre, que o Portugal que se vê é só isto!
Deixem ver o Portugal que não deixam ver!
Deixem que se veja, que esse é que é Portugal!
Ponto.
Agora começa o Manifesto:
Arre!
Arre!
Oiçam bem:
ARRRRRE!
Álvaro de Campos
V
As casas ganham um ar mais mortal
na tristeza depois de não ter havido coito.
Vão depressa as nuvens, tão depressa, levam pombos
e telhados agudos com ardósia quebram
em radiações de treva na água aprisionada.
Joaquim Manuel Magalhães
VI
As palavras dançam nos olhos das pessoas
conforme o palco dos olhos de cada um.
Almada Negreiros
VII
Atiram pedras aos outros
Por verem espelhos em tudo
Para não ser como eles
Fecho os olhos fico mudo
João Belo
VIII
Carregando os caixões nos magros ombros
Enterrando na polpa das montanhas
Os tornozelos de aço,
Rasgando no ar fino agudas frestas
Caminham lentamente os enjeitados.
Escasseia-lhes emprego nas florestas
Nas bancas da cidade revoluta
E transportam a morte com cuidado.
Natércia Freire
IX
Continuar aos saltos até ultrapassar a Lua
continuar deitado até se destruir a cama
permanecer de pé até a polícia vir
permanecer sentado até que o pai morra
Arrancar os cabelos e não morrer numa rua solitária
amar continuamente a posição vertical
e continuamente fazer ângulos rectos
Gritar da janela até que a vizinha ponha as mamas de fora
pôr-se nu em casa até a escultora dar o sexo
fazer gestos no café até espantar a clientela
pregar sustos nas esquinas até que uma velhinha caia
contar histórias obscenas uma noite em família
narrar um crime perfeito a um adolescente loiro
beber um copo de leite e misturar-lhe nitro-glicerina
deixar fumar um cigarro só até meio
Abrirem-se covas e esquecerem-se os dias
beber-se por um copo de oiro e sonharem-se Índias.
António Maria Lisboa
X
de dia não nos podemos viver.
só na ausência dos outros podemos realmente ser nós próprios,
e mesmo assim nem sempre.
a minha janela dá para uma rua de mar.
só com ondas exangues de gente.
uma ou outra vez reparo existir ,
vivo na cidade e observo.
não é próprio , mas é da minha janela verde , cesariana , que o faço.
sobrevivo, sim.
Nuno Travanca
Sem comentários:
Enviar um comentário