Português de nascimento e limitação, só me aconteceu, até à data, visitar três países além do meu: Espanha, Bélgica e Cabo Verde. O que não é pouco nem muito. A minha avó teria achado muito, o dr. Mário Soares ter-se-ia rido. De modo que a teoria da relatividade continua absoluta, acho eu.
Como a Espanha e a Bélgica para aqui não interessam nada, recordo, com vossa licença, o glorioso entardecer desse Julho de há oito anos em que quase fui esquartejado pelas ancas industriais de uma senhora da Costa do Marfim que teimava em ensinar-me a dançar morna. A mim, calculai, que tenho tanto de dançarino quanto o grogue tem de santo. Mas que foi bom, foi. A festa era no terraço alto de um quarto ou quinto ou sexto andar de Santiago, convidaram-me não sei por nem para quê, sei que fui e que fui filado pela tal senhora e pelas tais ancas. A coisa nem aqueceu, ficou pela morna, não sei por que recordo isto. Talvez porque recordar seja dançar.
Sem música nem senhora, andei eu depois pela noite da capital. Soprado pelo bafo de forno molhado do trópico, suava como uma vela exilada do altar. As noites eram boas e plenas, apesar da solidão profissional que todos os portugueses gostam de envergar como sinal de respeito ou quejanda imbecilidade. Antes que a noite acabasse de todo, às seis horas da manhã-ainda-não-manhã eu escapulia-me do hotel e ia dar comigo na praia quente. Descia uma encosta de areia armadilhada de garrafas partidas e adentrava o mar despido de tudo menos da ânsia. Isso, eu sei por que recordo: porque entrar no mar é como entrar ancas adentro de uma senhora imensa.
Seja ela da Costa do Marfim, da Espanha ou da Bélgica.
Imagem: © Chema Madoz
(Escrito para o sítio na net:
www.liberal-caboverde.com, na tarde de 19 de Julho de 2005, Tondela
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