08/07/2005

Uma Quinta ao Fundo com Cavalos (1967) – 7

Chegavam poucas notícias. O mundo era todo ali: isso é a infância. A criança é contemporânea de si mesma. O adulto perde esse equilíbrio de tempo com corpo. Adquirindo outros corpos, perde-se no labirinto errático da memória e da projecção improvável do futuro. Notícias, não. Apenas canções. Música e pintura. Então, as letras vieram. Trouxeram com elas o tempo, o que desarranjou definitivamente as coisas.
Uma tarde, apareceu um homem à porta. Vendia livros de saúde. “A Saúde pelos Alimentos”. O Pai comprou. O Pai não conhecia a palavra “não”. Depois, o homem foi para o monte. Segui-o sem que me visse. Sentou-se à sombra magra de um cedro, tirou nozes de um saco e comeu-as. Era um homem de silêncio. Mastigava as nozes e olhava o campo agrícola que fica depois do monte (não se vê na fotografia de 1967). Fiquei com essa imagem na cabeça: um homem que vendia livros e comia nozes, tudo incensado de silêncio, cedros, solidão. Como já tinha letras, eu sabia que a imagem voltaria muitas vezes à minha vida. Nem reescrevendo-a a perderei, como talvez gostasse.

25 de Junho de 2004

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Canzoada Assaltante