95.
FOLHETO A MAL POR BEM
Coimbra, segunda-feira,
6 de Julho de 2020
(I)
(De
manhã, a notícia do falecimento, aos 91 anos, de Ennio Morricone, o grande
compositor italiano.)
II
Alice
Fontes recorta do magazine-tv-cine
o
rosto a-página-inteira do especial Rufus Sewell.
Não
é hoje que o faz, fê-lo há alguns anos.
Alice
há muito não é adolescente, mas mesmo assim.
Mesmo
assim, gosta de belos rostos masculinos.
Os
que, enfim, ela acha afins do que acha beleza.
Tem
os rostos emoldurados pelas paredes.
John Osborne. Alan Sillitoe. Alan
Delon, claro.
Alan Bates. Oliver Reed. Brian
Cox. Charles Baudelaire, claro.
É
uma casa sozinha de pessoas, não de rostos.
A
casa está como quando os pais morreram.
O
que foi mudando: mais um rosto recortado.
Salgueiro
Maia. José de Castro. Antonino Solmer, claro.
Casa-galeria,
sem notícia que diga aos costumes.
Alice
vive de ser senhoria, várias casas arrenda.
Santos
Manuel. Paulo Renato. Paul Newman, claro.
Dispõe
de um automóvel azul-escuro. É dona de si
–
e de uns quantos bonitos homens, por assim dizer.
(III)
(E
ontem morreu, aos 81, o realizador português Alfredo Tropa.)
IV
Saí
um pouco. Encontrei o que procurava no exterior: um sítio à sombra aberto à
brisa. Não se está mal. Calor a mais no resto deste mundo limítrofe. Duas mulheres
bebem laranjada fresca: parecem-me portadoras de folhetos-jeovás, mas pode ser
que não, que sejam folhetos do Lidl. Acalmada a cal interior com uma botelhosa
de Super Bock, reabro em 1888 o meu Van Gogh epistológrafo.
V
Rostos
colectados por aquela senhora Alice?
Falei-Vos
dela porque sim – mal, não fará.
Direis
talvez a outros algo do que V. disse.
Mal
nenhum nisso, disso mal algum virá.
Que
sobra destes versos: lentilha atirada ao areal.
Que
sobra dessa lentilha? Areia versejada.
E
dessa areia?
Um
rosto ainda não nomeado a carvão.
(...)
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