88.
SONHADORIA ENSACADA
Coimbra,
sexta-feira, 26 de Junho de 2020 (I-II)
Coimbra, sãbado, 27
de Junho de 2020 (III)
I
Hoje
é dia de referência a Claromonte Faianorte, empresário de música que privou com
algumas das mais brilhantes luminárias do ramo. Anos decisivos, ocidentais,
congregadores – foram os dele. Não pisava o palco nem a ribalta o banhava. Era
outro o brilho dele: o trabalho das sombras, o bastidor do fulgor.
Depois
como antes dele, levo-me a pensar em peregrinações, íntimas autoperegrinações
como as de Camilo Pessanha & Wenceslau de Moraes – amaila em fulgurante
velocidade de Cesário Verde & Arthur Rimbaud & Hart Crane. Isso ensina,
pode ser retido, apreendido, aprendido, preso, detido, tudo.
Bem
– mas e mais?
Respondo:
por menos.
Catarino
Ricardo foi ainda mais discreto, praticando a mudez como um príncipe sem
tormenta. Publicou bem, pseudonimamente sempre, sempre com notável regularidade.
Nunca se imiscuiu, nunca se deixou prostitu’ir-c’as-outras, isso é que não,
nunca. Há quem lhe conheça os livros, a ele não. E tal é já m si suficiente
encómio da figura.
Hoje
é quase ontem já.
Hoje
é quase ontem já.
Não
cuidei que se fizera noite.
Cuidei
da manhã, dela sim.
Procedi
bem em xadrez calado.
À
tarde, dormi hora & ½.
Farrapos
de imagens enevoadas.
Solidão
nenhuma – o Gato comigo.
João
Filhandré ouvi em beleza.
É
cantor daqueles únicos.
Cifrei
dentro a dádiva dele.
Tão
pouco custa a felicidade.
Reavaliei
andamentos de Van G.
Dolorosa,
viacruciática é a perfeição.
Paguei-lhe
em florins transparentes.
Burros
malévolos no televisor.
Zurram
pouco, que os desligo.
Mundo
aparatosamente chunga.
Paraíso
da escumalha lixeir’antropóide.
Não
encontrei aquele livro de Hart Crane.
Encontrei
outros que não procurava.
Assim
a nossa vida.
Digo
nossa por ingénua ousadia.
Não
há nossa, só a de cada um(a).
Em
concerto, ainda a Beleza se ilude de todos.
Cá
fund’adentro sabemos a verdade.
Essa
verdade não é malévola.
Malévola
é a burrice televisionante.
O
coiso do Brasil, o scotch-brite de Washington.
II
Acontece
ao pensamento ser sonhadoria.
Digo:
a mente em cuecas coçando-se.
Visões
nubladas por sentimentos nada cristalinos.
Sílabas
como legos-de-logos, por assim dizer.
Acontece-me
muito há muitos anos.
Não
é fortuna & não é doença.
Devém
tão-só do feitio-do-animal.
III
Saco
com mercearias para conforto da finimanhã de Sábado, 27 de Junho de 1960,
perdão, 2020. E o conforto é certo & seguro: pão novo, empadas de galinha,
frango-do-campo já assado em modo pronto-a-comer, laranjadas pesadas de seiva,
torta de chocolate com creme-de-ovo, agrião para salada, presunto lascado finissimamente.
Ainda: pacote de café-negro, natas, morangos, manteiga, queijo-caprino, rebuçados-de-fruta.
Comendo de pé na marquise, olhando as aves saciando-se. Tudo isto como programa
& manifesto em pessoa-com-Gato-próximo.
E
à hora em que a tarde ainda é cedo, o aprazível céu nublado, sem frio & sem
caloraça, preside ao sossego da terra. Sim, é uma verdade hodierna, esta.
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