03/10/2020

VinteVinte - 66 (só três coisitas)



66.

 

APRESENTAÇÃO DA L.M. EM P.

 

Coimbra, quarta-feira, 27 de Maio de 2020

 


    I 


    Algumas figuras florescem na noite nova, ainda a alva não deu de si. Uma mulher chamada Rubina, um homem chamado Philip, outra mulher por enquanto anónima, outro homem por enquanto anódino. 
    Das quatro figuras, duas tomam o barco fluvial; as outras procuram separadas hospedarias. As que vão no barco não se conhecem, assim como se desconhecem as que vão por terra – só eu sei de todas: e Vós agora também. 
    Este saber não faz de mim um deus – nem, como os não guarde, anjo. Mirone – sim, é o que sou. 
    Um terceiro homem (quinta figura) desperta neste preciso momento. Dormiu todo o serão, o fresco da madrugada despertou-o: janela escancarada. Não é frescor, todavia – é apenas uma pausa na fornalha de ontem para hoje-já-amanhã. Também sem nome. Fuma cigarros picotados, isso sei. Acaba de se servir de um que o esperava na cabeceira juncada de revistas, remédios, garrafas plásticas com restos de água-mineral morta há muito. 

    II 

    Faz-me sorrir com alguma tristura a releitura deste arranque de crónica de Mestre Vitorino Nemésio: 

    “19.9.1971 – Outono desaforado ou Verão ininterrupto. Apenas a vaga de frio, com neve na Guarda, veio alterar o quadro. E de Verão de S. Martinho – nem falar! O que dá sentido ao Verão de S. Martinho é ter havido antes uma boa amostra de Inverno, passadas as primeiras chuvas a que o serrano chama ‘águas novas’. Nada disto tivemos neste caleidoscópio empanado da meteorologia portuguesa: Agosto e Setembro invernosos, Outubro e Novembro lúcidos. Esfreguemos as mãos resignados.” 

    Que diria o grande Açoreano da mortífera meteorologia deste novo-já-velho milénio da globalização nojenta? O aquecimento doentio do orbe virou tudo de pantanas. Maio, que já foi fino & temperado, é agora, todos os anos, fornalha. A época-balnear vai de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro, ou quase. Sufocação perpétua, brasa sem rei nem roque. Hoje estão trintas & tais. Pouquíssimo inverno, quase zero-primavera, mal choveu, mal arrefentou. Reitero: pode a geografia dar-nos azimute sul-europeu – mas solarmente falando, somos norte-africanos: nosso mal, nossa punição de impenitentes poluentes da urbe & do orbe.
(...)

    IX


    A Literatura Portuguesa (toda) tem uma Santíssima Trindade: Camões, Eça & Pessoa.
    A Literatura Europeia do Século XX tem uma Santíssima Trindade: Proust, Joyce & Pessoa.
    A Literatura Europeia (toda) tem uma Santíssima Trindade: Shakespeare, Cervantes & Pessoa.
    A Literatura Mundial apresenta-se a si mesma em Pessoa.

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Canzoada Assaltante