02/10/2020

VinteVinte - conclusão do 65 (V a IX)


 

V

 

De quatro, só conheci três – o pai desertou na primeira-infância do segundo filho, o da minha idade. Ficaram ele, o mais velho & a mãe.

O mais velho, Nelo (diminutivo local de Leonel), cresceu sem grandes avanços na escolaridade, o que não obstou a querer arvorar-se outros ares. Rumou ao Algarve, onde atendeu mesas, conheceu as inglesas velhas da praxis, poupou algum, foi para Setúbal, por lá anda.

O da minha idade, Meno (de Filomeno), andámos na Escola. Fez pouca. Foi para aprendiz de serralheiro, depois de estofador numa oficin’auto, acabou jardineiro da Câmara, já está na pré-reforma, teve (ou demonstrou) afinal mais escola do que eu. Casou para sempre com uma pobre-de-deus do clã pobríssimo conhecido na minha terra por Gaios. Tiveram uma filha, Liliana Vanessa, entretanto amigada com um divorciado de Lordemão.

A restante, como de costume, é a mãe. Mais nova do que a minha, deve andar hoje pelos 88, 89. Deu em prosélita de Jeová. Na terra, não propagandeia salvação ou folheto alguns. Ninguém a vê. Vi-a eu em Outubro passado, Ano-VinteDezanove, à porta da Loja do Cidadão, ali ao Bota Abaixo. Duvido de que ainda se recorde do nome do pai de seus Nelo & Meno: é um fantasma que não fará parte da Grosa de Eleitos do Senhor. Mas o Meno, vi-o eu escrever o nome do pai no exame da Terceira-Classe. Era Carlos Eduardo, como aquele de Os Maias que come a irmã mesmo já depois de saber que. Mas como no meu tempo o Eça só aparecia no 11.º, nem Nelo nem Meno tiveram de estopar-se com a homonímia de um espectro que nada aliás teria que dizer-lhes.

 

VI

 

Em As Pastagens do Céu, Steinbeck cria muito bem a narrativa. Nela, torna-se mais do que meramente simbólico o contraste (a oposição, mesmo) entre um lugar idílico (o velhinho locus amoenus) & a rafa antropóide que o habita. Se reencontrar o meu velho exemplar dos tempos adolescentes, relê-lo-ei com renovado gosto. Reler é tarefa fertilizante, mais o sendo nestes tempos feios de não-formoso ano.

 

(VII)

 

(Uma noite dessas que eram azul-abertas, só queria uma dessas uma destas noites.)

 

VIII

 

Este não é decerto um tempo de salons à maneira do Seiscentos Francês, nem de arcádias à Correia Garção, nem de tertúlias à Café Gelo, Martinho da Arcada ou Brasileira(s). Este é o tempo das redes-sociais não-presenciais. É o tempo que é. Não é o meu. Só fisiologicamente é o meu. O mesmo-meu é de outra vilegiatura, outro pontificado – outros mundo & reino, pronto. Por exemplo: mesmo lá fora declinando já a tarde, a Fera Solar continua impunemente assando gente & torrando arvoredo; eu, sus!, estores baixados, ventilação mínima - & leitura diagonal de Franceses como os senhores de La Rochefoucauld & de La Bruyère, que não sabiam escrever mal a Franca-Língua, disons. Aproveitei o tempo: algum do a-tempo desses dois cavalheiros moralistas  de 1600 & picos. Aprazível segmento temporal me proporcionaram ambos, de máximas a memórias & a carácteres. Não é tempo de perder tempo. Já outro enorme Francófono, Léo Ferré, nos disse que:

 

“Avec le temps va

Tout s’en va…”

 

IX

 

[E ao correr do a-Tempo(ral), aquilo que algures Spinoza (ou Espinosa) terá pensado sobre o amor-próprio: “Tendência do ser a perseverar no ser” – lido a páginas 436 da tal Histoire de la Littérature Française de Ch. M. des Granges de que V. falei já algures também.]

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Canzoada Assaltante