V
De
quatro, só conheci três – o pai desertou na primeira-infância do segundo filho,
o da minha idade. Ficaram ele, o mais velho & a mãe.
O
mais velho, Nelo (diminutivo local de Leonel), cresceu sem grandes avanços na
escolaridade, o que não obstou a querer arvorar-se outros ares. Rumou ao
Algarve, onde atendeu mesas, conheceu as inglesas velhas da praxis,
poupou algum, foi para Setúbal, por lá anda.
O
da minha idade, Meno (de Filomeno), andámos na Escola. Fez pouca. Foi para
aprendiz de serralheiro, depois de estofador numa oficin’auto, acabou
jardineiro da Câmara, já está na pré-reforma, teve (ou demonstrou) afinal mais escola
do que eu. Casou para sempre com uma pobre-de-deus do clã pobríssimo conhecido
na minha terra por Gaios. Tiveram uma filha, Liliana Vanessa, entretanto
amigada com um divorciado de Lordemão.
A
restante, como de costume, é a mãe. Mais nova do que a minha, deve andar hoje
pelos 88, 89. Deu em prosélita de Jeová. Na terra, não propagandeia salvação ou
folheto alguns. Ninguém a vê. Vi-a eu em Outubro passado, Ano-VinteDezanove, à
porta da Loja do Cidadão, ali ao Bota Abaixo. Duvido de que ainda se recorde do
nome do pai de seus Nelo & Meno: é um fantasma que não fará parte da Grosa
de Eleitos do Senhor. Mas o Meno, vi-o eu escrever o nome do pai no exame da
Terceira-Classe. Era Carlos Eduardo, como aquele de Os Maias que come a
irmã mesmo já depois de saber que. Mas como no meu tempo o Eça só aparecia no
11.º, nem Nelo nem Meno tiveram de estopar-se com a homonímia de um espectro
que nada aliás teria que dizer-lhes.
VI
Em
As Pastagens do Céu, Steinbeck cria muito bem a narrativa. Nela,
torna-se mais do que meramente simbólico o contraste (a oposição, mesmo) entre
um lugar idílico (o velhinho locus amoenus) & a rafa antropóide que
o habita. Se reencontrar o meu velho exemplar dos tempos adolescentes,
relê-lo-ei com renovado gosto. Reler é tarefa fertilizante, mais o sendo nestes
tempos feios de não-formoso ano.
(VII)
(Uma
noite dessas que eram azul-abertas, só queria uma dessas uma destas noites.)
VIII
Este
não é decerto um tempo de salons à maneira do Seiscentos Francês, nem de
arcádias à Correia Garção, nem de tertúlias à Café Gelo, Martinho da Arcada ou
Brasileira(s). Este é o tempo das redes-sociais não-presenciais. É o
tempo que é. Não é o meu. Só fisiologicamente é o meu. O mesmo-meu é de outra
vilegiatura, outro pontificado – outros mundo & reino, pronto. Por exemplo:
mesmo lá fora declinando já a tarde, a Fera Solar continua impunemente assando
gente & torrando arvoredo; eu, sus!, estores baixados, ventilação mínima -
& leitura diagonal de Franceses como os senhores de La Rochefoucauld &
de La Bruyère, que não sabiam escrever mal a Franca-Língua, disons. Aproveitei
o tempo: algum do a-tempo desses dois cavalheiros moralistas de 1600 & picos. Aprazível segmento
temporal me proporcionaram ambos, de máximas a memórias & a carácteres.
Não é tempo de perder tempo. Já outro enorme Francófono, Léo Ferré, nos disse
que:
“Avec
le temps va
Tout
s’en va…”
IX
[E ao correr do a-Tempo(ral), aquilo que algures Spinoza (ou Espinosa) terá pensado sobre o amor-próprio: “Tendência do ser a perseverar no ser” – lido a páginas 436 da tal Histoire de la Littérature Française de Ch. M. des Granges de que V. falei já algures também.]
Sem comentários:
Enviar um comentário