87.
DOUTROS & DO GUARDADOR DE NEVÕES
Coimbra,
quinta-feira, 25 de Junho de 2020
I
Um
lugar capaz de aceitar a pessoa da laranjeira.
Duas
décadas ainda esse pouco, repousar depois.
À
tardinha, esperar no pontão o pastor, o cão, o rebanho.
Acompanhá-los,
pagar a bebida ao homem, conversar.
Trazer
toucinho, azeite, broa nova, feijão, verdes.
Esse
lugar capaz de aceitar a casa da laranjeira.
Na
casa do povo, o cubículo dos correios, breve cave.
Receber
lá o vale, deixar algum na previdência.
Trazer
os jornais da quinzena, esmolar o convento.
Vender
as laranjas ao preço da chuva, tornar ao lugar.
Sonhar
com cavalos, nem todos vivos, acordar no escuro.
Reacender
a lareira, mirar da janela a laranjeira.
As
primeiras aves inaugurando o dilúculo.
A
caixa que foi de sapatos ’inda meia de cartas.
Retirar
dela uma ao acaso de outro Verão.
Oferecê-la
à lenha ardente, acender o cigarro.
Pentear
o gato, escovar o cão, esperar a neve.
Ainda
não ser esta semana a do telefonema. Mas laranjeira.
II
Extensões
aplainadas pelo longo uso do vento.
Como
rosas se abrem os pulmões ao ar total.
O
cedro-gigante trepa a hora rumorosa.
É
bom ninguém com sílabas haver por cá.
Isto
é tudo livro aberto, esquece-se escrevendo.
Sabe-se
já que na casa amarela velório em breve.
Vicente,
o velho notário, dá-se as últimas.
A
neta mais querida herda os álbuns do velho.
A
imobiliária vende o terreno, reparte-se o bolo.
Tudo
tão igual, ’ind’assim capaz de verso.
Diana,
minha netinha, filha diferida do meu coração.
O
álbum negro guarda os nevões de meus pais vivos.
O
azul, fontanários & pelourinhos, pedra tudo.
O
róseo, quantas crianças pude subir à luz.
Diana-nana-aninhas,
do meu coração nevada.
III
Teve
de exilar-se, país adentro embora, pelo salário.
Suportou
mais de quarenta anos, não é brincadeira.
Os
anos perdidos não voltam – e todos o são.
Resta-lhe
agora constar destes versos – nada mais.
António
Nogueira Reis Cavaleiro, dele V. falo.
Agora
que a casa é paga, vê-se crónico renal.
Um
ano ou quatro, mais é difícil.
Folheia
as horas em seu particular outono.
Restou
ninguém, não é essa a questão.
Nenhuma
questão afinal, nenhuma questão.
Bolachas
de aveia na lata verde-grená-castanha.
E
ao poente o amarelo-torrado da minha vida.
IV
Parecia
estralejar de fritura, primeiro.
Depois,
semelhava entusiasmo de crianças aplaudindo.
E
era afinal chilreando a passarada exuberante.
Máximas
minuciosas coisitas assim m’exultam.
Digo:
me exaltam, fazem bem, dão rumo.
Digo:
e nisto não minto, que o sinto & assim é.
Agora,
esta torreira insensata, africana, bastarda.
Doentio
verão epidémico, sobrepovoado, estéril.
Daninho,
maninho, sem aves nem porvir.
V
Fala-te
de barcos adensando a noite, de tão escuros.
E
de viagens que por escrito ainda são ir.
Nada
lhe respondas em susto pânico, ele é morto.
Os
pequenos são infelizes. Os grandes, também.
Ó
silenciosas senhoras de tule & bule!
Ó
guardados móveis, mães de todo o pó!
VI
Lugares
crio sob que apago lugares, tróias.
Convicto
me apresento, ocupante, ovante.
Íntima,
ínfima, iníqua não, vitória.
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