84.
VI + I SONETOS QUASE LIVRES
Coimbra, segunda-feira,
22 de Junho de 2020
I
É
excepção a bondade, de si difere a regra.
Em
tempo aflito, não cessa embora a demanda.
Uma
arte antiga range & muge, mas não quebra.
Às
janelas, colchas ricas vêem o passar da banda.
A
febre urdia na criança a paciência esperançosa.
Era
tépida a água toda Mãe à cabeceira.
A
lebre ardia à distância de uma só rosa.
Lírio
& delírio parecem hoje brincadeira.
Soalho
sonoro sob os passos se queixa.
A
assimetria tomou conta das janelas.
Tufos
de erva rasgam já a calçada.
Só
tua mesma sombra a ti jamais deixa.
Cortinados
novos de estampas singelas.
A
regra é tudo; a excepção, quase nada.
II
Apocalipse
é coisa particular, íntima debandada.
É
união impossível ao caos alheio.
Dedo
no nariz deixa de ser feio.
Toras,
alcorões & bíblias fazem ’ma boa queimada.
Adriano
de bata a mais alva corre o corredor.
Cristina
catita adriana-se toda.
’Tadita,
é novita, não tem quem na fôda.
De
ricas famílias, Adriano é fulgor.
De
Paddington a Plymouth, antigamente
as
moças senhoras iam comboiando.
Alegres
viúvas umas, esquálidas outras solteiras.
Era
pouco casada tal inglesa gente.
Temiam
fracamente a Deus protestanteando.
Não
é terra de muitas ribanceiras.
III
Entrepenetram-se
sem cansaço os clarões postais.
Ilustram
eles o pandemónio mais silencioso.
Parece,
o cérebro, estar no gozo.
Aprazíveis
vulgaridades como requintes especiais.
Gestern
und heute – prevê a matrona alemã
que
veio ao pão fresco à fresca prima hora da manhã.
Os
filhos de Carolina estudam ambos enfermagem.
E
o televisor é trémulo dador de imagem.
Entre
Benavente & Constância houve, certo ano mau,
queda
de aves mortas – quem as fulminara?
É
circunstância que a notícia ’inda não aclara,
tanto
tempo passado a remo como a vau.
Progride
desenvolta a geral decadência.
Morrer
é p’ra todos, viver é que é ciência.
IV
O
futuro é valor abstracto, melhor será não contá-lo.
1986
já foi futuro, como 2000 o foi também.
De
azul não surge já vestida, e a cavalo,
Maria
dos Anjos Bandeira, dos Bandeiras de Santarém.
É
hoje menino ainda o psicopata séri’assassino
de
VinteVint’e’Nove, matador de mulheres.
Deve
dizer-se o talher, não os talheres.
Talvez
fôra de matar hoje, já, o menino.
O
passado é por vezes melhor, depende do agora.
As
ideias alheias são países que não visitamos.
E
sim, o grande Peter Sellers era chanfrado a sério.
Miquelina
& Josefina vão, mui mansas, ao cemitério.
Lavam
dos pais a campa, José & Maria Ramos.
Depois,
muimanamente, vão todos-4 merendar fora.
V
Os
isolados adentro si mesmos existem como podem.
Pugnam
por seu estandarte de vela apagada.
Habitam
palacianamente a cabana queimada.
De
resto, são como os outros, digerem que comem.
Prédios, que novos foram, estalam ao sol.
Endurece
a lama nas rodas do tractor.
O
olvido é o nosso maior detractor.
Se
a velha não morre, mudai-lhe o lençol.
Traz
provisões, Alice, demora-te uns dias.
Agora
é Verão p’ra sempre a doer.
Há
gelo, há café, conhaque & absinto.
Dá
cá, eu ajudo com as mercearias.
Pagaste
co’ cartão? Há contas a fazer.
Pronto,
já me calei, não falo & não minto.
VI
Exaspera-me,
dormindo um pouco, sonhar muito.
Só
queria passar por brasas apagadas.
Cerrando
os olhos, insuficiências danadas
sonham-me
por mim, cansa-me o assunto.
Passos
falsos claustram-me o sono.
Vejo-me
perdido em paul estrangeiro.
As
minhas palavras ficam cães-sem-dono.
Só
a morte anti-sonha, tal é verdadeiro.
A
sesta de hoje correu pouco bem.
Gente
apareceu, nunca mais bem-vinda.
Ela,
culpa não tem, eu sei que não tem
–
mas é irritante que m’apareç’ainda.
Mais:
não adianta tomar medicamentos,
que
até c’a droga há tristes momentos.
VII
Subindo
outrora da Praça a Celas p’la Sereia,
saudei
Martim Baganha Falcão, seminarista
nado
em Celorico da Beira, cuja boa & feia
cara
era rosto aprazível, sensível, artista.
Muito
bons tempos esses, ora no calendário quietos.
Há
muito é formado o bom Martim.
Se
a mim mesmo me conto entre obsoletos,
a
ele não conto, como, sim, me conto a mim.
Lá
vai ele. Aqui vou eu. Ambos somos do Tempo.
Outrora
nos chamamos, Amanhã não sabemos.
Subimos.
Vamos. Vimos. Viemos. Já vivemos.
(Repetir
o terceto, acrescentando descemos.)
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