26/10/2020

VinteVinte - 90 (só o V)




90.

 

‘D’UNA SENSIBILITÀ SQUISITA’

 

Coimbra, segunda-feira, 29 de Junho de 2020

 

(...)


 

V

 

Ao Teatro alla Scala vão esta noite

Alberto & Edenia, casal gentil.

Giovedi 9 Maggio 1940 alle ore 21,15 precise:

O jovem H. von Karajan rege a orquestra-residente

Em programa de que constam

Cherubini / R. Strauss / Brahms.

A França não tarda a cair.

Edenia & Alberto abandonam Milano.

Refugiam-se no Gerez, muito longe de tudo.

O fascismo de cá é quase insignificante.

Aprendem a Língua, praticam-na com os íncolas.

Lêem Júlio Diniz & Camilo Castelo Branco.

Vão vivendo da mala carregada de ouro.

Não fazem planos nem embolorecem de nostalgia.

Estão ambos na flor-da-idade, são sãos.

Melómanos moderados, escutam a Emissora.

Adquirem a Pensão Verde, prosperam devagar.

Decidem não reproduzir-se – por amor o decidem.

Vão conhecendo insignes figuras:

Nemésio, Branquinho, Régio, Vergílio, Sophia.

Adquirem sociedade paritária de hotel no Porto.

Erigem vivenda na Foz.

Forram obrigações-do-tesouro & títulos-de-aforro.

Vendem as quotas, mantendo-se sem tocar no depósito.

Não regressam à pátria que foi deles & de Verdi.

A colecção de primeiras-edições de Diniz & Camilo?

Vale mais de dois mil contos à data do duplo-óbito.

Uns, que foi suicídio partilhado.

Outros, que um se matou depois de matar o outro.

Nenhum deixou diário íntimo.

O Estado herdou deles tudo.

Tudo – menos o encanto daquela soirée de 9/5/40.

No dia seguinte a ela, veio no Corriere della Sera

A crítica do autorizado meloscriba Franco Abbiati:

 

“Giovanissimo, il maestro Herbert von Karajan

ha dato prova ieri sera alla Scala d’una

maturità artística non comune e d’una

sensibilità musical esquisita.”

 

Depois, outros anos.

Nada hoje de Alberto nem de Edenia Calpane.

Nada de nós um destes amanhãs. 


 

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Canzoada Assaltante