80.
ALGUMAS MERDAS TAMBÉM CONTAM
Coimbra, terça-feira,
16 de Junho de 2020
(Bloomsday)
Ontem,
acabada já a tarde, infante a noite ainda, deitei-me. O sono veio tomar-me a
boa-hora. Nem me levantei para jantar ou cear. Despertei eram cinco &
quarenta do dia novo. Finalmente, ordenei o meu horário favorito. Recebo a
primeira luz, orizicultivo já os pardais primaciais da jornada. Café, pão, duas
senhoras: a de Sévigné & a Ruth Rendell de The Fallen Curtain and Other
Stories. Mais adiante, hei-de ligar a máquina-imagética para ver uma história
criminal francesa que ontem me acicatou a atenção. Tudo, portanto, em boa &
devida ordem.
A
manhã oferece uma viagem à existência da puta-mor de Versailles, vulgo Madame
de Montespan. Pariu com força: do marido, duas vezes, salvo erro; de Louis XIV,
para aí umas sete. Naturalmente, a Montespan aparece em algumas cartas da
Sévigné – assim como a sua predecessora, a La Vallière, & a sua sucessora,
a Maintenon. Histórias giras, capazes de me ilustrar a matina: tempo nada mal
gasto.
Três
séculos depois, em Ventura, Califórnia, é assassinada uma mãe de duas crianças,
esposa legítima do gajo que mandou a amante matá-la com uma faca-de-serrilha. Menos
gira, a história californiana.
Também
pela viseira me passa outra figura francesa, ridícula esta, mesquinha até (nem
pelo suicídio se lava a cara sequer): a do “petit juge” do Caso Grégory,
um marreta chamado Jean-Michel Lambert. Há quem – porque se matou – lhe perdoe.
Eu não. Foi um desastre acrescentado a uma tragédia, abominável crime em solo
francês (1984). A figurinha é-me repugnante, pronto, daqui não saio. Outra figurinha
repugnante: Marguerite Duras, nem menos. Tal como John Lennon, esta “escritora”
foi sempre na overrated bluff. Nem menos nem mais.
Felizmente,
a idade facilita-me a fala directa. Não ando aqui para engonhar seja quem for. Se
algo ou alguém é uma merda, eu digo que é uma merda. Sem metáfora nem rodeios “politicamente
correctos”. Odeio o “politicamente correcto”. Porquê? Porque é uma
merda.
Mas
adiante: este tem sido um dia de aprendizagem, como aliás quero sejam todos. Aprendizagem
rima, na nossa Língua, com viagem. Faz sentido, para mim.
Vejo
& ouço um tipo falar sobre a infância que lhe coube. Doença, fantasia, repressão,
violência. Corrompida (auto)narrativa. Diz que descambou no assassínio em série
porque. Etc.
(Recordo
ter ido por aquela estrada longa.
Foi
por uma noite temperada, estrelas à vista.
Andei
muito, muitos quilómetros, muitas horas.
Colhi
uma laranja de berma-estrada.
Soube-me
tão bem: mais bem que viver.)
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