91.
JUNHO A JULHO
Coimbra, terça-feira,
30 de Junho de 2020 (I)
Coimbra, quarta-feira,
1 de Julho de 2020 (II-XVI)
I
Outros
melodramas afinal simples prosperam na caloraça vigente. Junho morre à
meia-noite, mas o sequente primo-dia juliano já não é vivo aniversário natalício
da senhora minha materAvó, Cândida Leite, há muito morta, pacificada, esquecida.
Estes pelas ruas a não podem recuperar, que a tiveram jamais.
Estetas
& patetas com-vivem. Filigrana áurea & lixo rasteiro. Toscanini &
Karajan. Sofisticação & lenda. Lêndea & sabão. Não importa nem conta. Cada
um sabe de si. Nada o abriga. Nada o obriga. É tudo idei’adentro, cada idei’ a
cada bicho.
II
Morrendo
Junho & nascendo Julho, li madrugada afora as cartas de Vincent a seu irmão
Theo. São papéis ominosos. Fizeram com que só me deitasse ao sono perto já das
cinco. Lapijei sublinhados.
Hoje,
ninguém escreve cartas, só correio-electrónico. Perde-se um infinito filão de ouro
íntimo, assim. A Sévigné & Van Gogh, todavia, não são perdidos.
III
Pintores
anónimos como pastores, reses as telas.
Em
tempo resgatável só por arte, adormecidos.
Nuvens
em cinza acartonam paisagens ex-amarelas.
Flores
enegrecidas estiolam aos dias compridos.
E
cumpridos.
IV
Homens
& mulheres abonados de anos já de estante
falam
comigo sobre António Patrício, primeiro,
&
de Manuel Valadares, logo depois, enquanto eu
digiro
ainda a madrugada ledora (Vicente a Teodoro).
Fora
deste núcleo de comunicação, o primo-dia juliano
joga
ao abafa-luz em espécie de auto-estufa.
Madame
Curie é evocada em radium, então.
O
tempo & o Tempo a raio-X, como ainda sempre.
Na
cozinha, onde até tão tarde-cedo li V. a T.,
ferve
agora a trinca-de-arroz para a passarada.
O
Menino-Gato dorme a sesta sobre macia manta.
Domesticidade
vibrátil aqui-ali, pensando além-quando.
Museologia
& prospecção: rostos, chávenas, dedadas, giz.
Ultravermelhoinfravioleta
etc.
Infinda
possibilidade dédala, por assim dizer.
E
uma que era Lídia entre salgueiros berma-fluviais.
Ecoam
ainda as botinas sacristas morcego-eunuco,
vulgo
Salazar, na grande oportunidade esbanjada pós-1945.
A
República arde a cinza fria, monturo ignorante & ignorado.
Jornais
escritos ainda em Português doutrinam afinal poucos.
Já
a trinca-de-arroz arrefece para ser dada.
Lapsos
de sol encharcam os cortinados.
O
Gato sonha, emite gemidos parahumanos.
A
liberdad’interior é insofismável, é-o decerto.
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