1
Há muitos, muitos anos, havia um homem que chefiava uma quadrilha de ladrões de estrada. Ninguém conhecia o nome verdadeiro dele. Mas a fama do chefe dos ladrões acendia tanto o terror na noite e nos corações, que se tornou conhecido pela alcunha do Trinta-Diabos.
2
Não havia automóveis, nem aviões, nem rádio, nem televisão. Havia o Sol e havia a Lua. E havia a casa do Trinta-Diabos, que só um dos ladrões do bando sabia onde ficava. Era para essa casa que o ajudante do Trinta-Diabos levava as malas e os alforges com o produto dos roubos.
3
Os salteadores operavam de noite. Preferiam as carruagens que se arriscavam pelas amortecidas estradas dos bosques a horas mortas. Depois do assalto, os ladrões desatrelavam os cavalos das carruagens e fugiam com eles. As vítimas ficavam ali até que Deus voltasse a lembrar-se delas.
4
O povo dizia que os ladrões comiam os cavalos roubados depois de lhes terem bebido o sangue misturado com cinzas de oliveira. Mas isso não era a verdade. A verdade é que os ladrões vendiam os animais em feiras de gado, que naquele tempo eram legais porque ainda não havia nem União Europeia.
5
Foi por causa das feiras de gado que o bando foi detectado, preso e desmantelado. Todos foram metidos a ferros no cárcere – todos menos o Trinta-Diabos, que nunca ia às feiras, preferindo ficar em casa a contar e a recontar as moedas de oiro à luz do azeite.
6
O ajudante do Trinta-Diabos, para aligeirar a pena de degredo para África com que o ameaçaram, confessou a localização da casa do Trinta-Diabos. Os polícias pegaram nele e partiram, numa noite de carvão apagado, em busca do sítio e do terrível chefe da quadrilha.
7
Quando, cheios de cautelas e suores-frios, chegaram ao local indicado pelo delator arrependido, a casa não estava lá. Foi em vão que o atónito criminoso jurou e voltou a jurar que era ali e em nenhures senão ali. Chorando baba, sangue e ranho, gemeu que só podia tratar-se de algum milagre infernal. Que só trinta diabos no corpo de um poderiam mudar de sítio uma casa tão grande como a do seu antigo chefe.
8
Os agentes da lei não acreditaram nele e mataram-no ali mesmo por fúria e vingança. Enforcaram-no num castanheiro e abandonaram-no ali à podridão em sinal de aviso ao Trinta-Diabos.
9
A casa nunca foi descoberta. Mas o povo sabe que ela só pode continuar a existir – e algures na mesma serra. Em noites invernosas, quando o frio torna a solidão tão material como uma pedra, há quem veja, lá longe no manto negro da serra, uma luz de azeite tremendo como uma estrela maligna. Mas quando a manhã volta, os cães e os homens nunca encontram a casa no sítio da luz.
10
Se esta história é verdadeira? Claro que sim. Todas as histórias são verdadeiras depois de escritas e contadas. Sou o bisneto do Trinta-Diabos. Minha Mãe foi a única filha da única filha dele. Ao lado do papel onde escrevo estas palavras para Vossa ilustração e Vosso entretenimento, brilham ainda, à luz agora eléctrica, as moedas de oiro que o Trinta-Diabos nunca pôde gastar por não ser capaz de sair de uma casa que não existia.
Há muitos, muitos anos, havia um homem que chefiava uma quadrilha de ladrões de estrada. Ninguém conhecia o nome verdadeiro dele. Mas a fama do chefe dos ladrões acendia tanto o terror na noite e nos corações, que se tornou conhecido pela alcunha do Trinta-Diabos.
2
Não havia automóveis, nem aviões, nem rádio, nem televisão. Havia o Sol e havia a Lua. E havia a casa do Trinta-Diabos, que só um dos ladrões do bando sabia onde ficava. Era para essa casa que o ajudante do Trinta-Diabos levava as malas e os alforges com o produto dos roubos.
3
Os salteadores operavam de noite. Preferiam as carruagens que se arriscavam pelas amortecidas estradas dos bosques a horas mortas. Depois do assalto, os ladrões desatrelavam os cavalos das carruagens e fugiam com eles. As vítimas ficavam ali até que Deus voltasse a lembrar-se delas.
4
O povo dizia que os ladrões comiam os cavalos roubados depois de lhes terem bebido o sangue misturado com cinzas de oliveira. Mas isso não era a verdade. A verdade é que os ladrões vendiam os animais em feiras de gado, que naquele tempo eram legais porque ainda não havia nem União Europeia.
5
Foi por causa das feiras de gado que o bando foi detectado, preso e desmantelado. Todos foram metidos a ferros no cárcere – todos menos o Trinta-Diabos, que nunca ia às feiras, preferindo ficar em casa a contar e a recontar as moedas de oiro à luz do azeite.
6
O ajudante do Trinta-Diabos, para aligeirar a pena de degredo para África com que o ameaçaram, confessou a localização da casa do Trinta-Diabos. Os polícias pegaram nele e partiram, numa noite de carvão apagado, em busca do sítio e do terrível chefe da quadrilha.
7
Quando, cheios de cautelas e suores-frios, chegaram ao local indicado pelo delator arrependido, a casa não estava lá. Foi em vão que o atónito criminoso jurou e voltou a jurar que era ali e em nenhures senão ali. Chorando baba, sangue e ranho, gemeu que só podia tratar-se de algum milagre infernal. Que só trinta diabos no corpo de um poderiam mudar de sítio uma casa tão grande como a do seu antigo chefe.
8
Os agentes da lei não acreditaram nele e mataram-no ali mesmo por fúria e vingança. Enforcaram-no num castanheiro e abandonaram-no ali à podridão em sinal de aviso ao Trinta-Diabos.
9
A casa nunca foi descoberta. Mas o povo sabe que ela só pode continuar a existir – e algures na mesma serra. Em noites invernosas, quando o frio torna a solidão tão material como uma pedra, há quem veja, lá longe no manto negro da serra, uma luz de azeite tremendo como uma estrela maligna. Mas quando a manhã volta, os cães e os homens nunca encontram a casa no sítio da luz.
10
Se esta história é verdadeira? Claro que sim. Todas as histórias são verdadeiras depois de escritas e contadas. Sou o bisneto do Trinta-Diabos. Minha Mãe foi a única filha da única filha dele. Ao lado do papel onde escrevo estas palavras para Vossa ilustração e Vosso entretenimento, brilham ainda, à luz agora eléctrica, as moedas de oiro que o Trinta-Diabos nunca pôde gastar por não ser capaz de sair de uma casa que não existia.
Caramulo, tarde de 18 de Outubro de 2006
1 comentário:
A minha querida avó sempre me chamou "trinta diabos",mas nunca lhe perguntei porquê, simplesmente pensei que era por ser muito mexida. Afinal ao fim de 40 anos fico a saber que "ele" existe. Aida
Enviar um comentário