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No dia 11 de Abril de um ano que já lá vai e não há-de voltar, a mulher da limpeza do 5º piso da Faculdade de Letras apanhou um rapaz e uma rapariga aos beijos-de-língua num dos bancos do corredor do Instituto de Estudos Franceses. A mulher fez queixa ao bibliotecário, que fez queixa ao bedel, que escreveu participação da ocorrência linguística ao Conselho Directivo.
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A rapariga foi apedrejada com bolachas de baunilha. O rapaz foi degredado para África. Ambas as famílias concordaram com as sentenças. A rapariga, que estava para apresentar tese em Literatura Inglesa Quinhentista, mudou para enfermagem, depois casou-se e obteve um casalinho de filhos – o Miguel e a Inês. O rapaz alcoolizou-se em Lourenço Marques e fez filhos sem apelido.
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Antes daquela hora má, a vida era boa. O rapaz e a rapariga tinham-se conhecido numa república estudantil submissa apenas à monarquia da irreverência. Engraçaram uma com o outro e acharam por bem engraçar mais. Assim foi sendo até o dia 11 de Abril.
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Uma noite lunar, a rapariga sentiu que o ar se lhe tornara curto de mais. Abriu a janela e respirou fundo: era ele, lá em baixo. Tinha uma viola e cantava
No dia 11 de Abril de um ano que já lá vai e não há-de voltar, a mulher da limpeza do 5º piso da Faculdade de Letras apanhou um rapaz e uma rapariga aos beijos-de-língua num dos bancos do corredor do Instituto de Estudos Franceses. A mulher fez queixa ao bibliotecário, que fez queixa ao bedel, que escreveu participação da ocorrência linguística ao Conselho Directivo.
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A rapariga foi apedrejada com bolachas de baunilha. O rapaz foi degredado para África. Ambas as famílias concordaram com as sentenças. A rapariga, que estava para apresentar tese em Literatura Inglesa Quinhentista, mudou para enfermagem, depois casou-se e obteve um casalinho de filhos – o Miguel e a Inês. O rapaz alcoolizou-se em Lourenço Marques e fez filhos sem apelido.
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Antes daquela hora má, a vida era boa. O rapaz e a rapariga tinham-se conhecido numa república estudantil submissa apenas à monarquia da irreverência. Engraçaram uma com o outro e acharam por bem engraçar mais. Assim foi sendo até o dia 11 de Abril.
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Uma noite lunar, a rapariga sentiu que o ar se lhe tornara curto de mais. Abriu a janela e respirou fundo: era ele, lá em baixo. Tinha uma viola e cantava
Ó minha amora madura
ai diz-me quem te abandonou
ai diz-me quem te abandonou
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A rapariga despediu um beijo digital e fechou a janela. O rapaz meteu a viola no saco e foi caminhando pelas vielas íngremes de uma cidade que parecia última e não era. A cena passou. A Lua ficou um pouco mais, depois já não.
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No dia 25 de Abril de um ano que já lá vai e não há-de voltar, foram reunidas as condições preparatórias para uma revisão legislativa dos beijos-de-língua. A saliva bombeada pelo coração deixou a clandestinidade e passou a ser um direito constitucional. Isto aconteceu mesmo assim.
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Isto aconteceu mesmo assim – só que a rapariga já tinha tido os filhos e já nem se lembrava dele. Divorciou-se do pai do Miguel e da Inês e depois casou-se com um senhor que era pai duma Joana e dum Rafael.
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No ano em que os colonos voltaram à pressa para a metrópole, o rapaz da viola não fez isso. Deixou-se ficar sem sentir que ficava. Também já não faltava muito – porque nada lhe fazia falta.
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Uma noite, a mãe do Miguel e da Inês e madrasta da Joana e do Rafael, estando sozinha no quarto, sentiu que lhe era escasso o ar da respiração. Abriu a janela e desconfiou de imediato da Lua, que no céu ardia como uma fotografia do Sol.
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A rapariga olhou para baixo e sussurrou para o rapaz que metia a viola no saco:
– Então e o resto da quadra?
O rapaz cantou:
Foi o sol foi a geada
Ai foi o calor que ela apanhou
Ai foi o calor que ela apanhou
Caramulo, tarde de 30 de Outubro de 2006
1 comentário:
Amigo, já tinha saudades de te ouvir cantar isto. A história? O costume. Belíssima.
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