19/10/2006

O Alberto das Duas - história 23 do Anoitecer ao Tom Dela

Esta noite, entre as 22 e as 23h00 em 91.2 FM ou, pela net, em www.emissoradasbeiras.com (também há acesso por http://www.radio.com.pt/ -Distrito Viseu, Concelho Tondela, Emissora das Beiras).
1
Era uma vez um homem pobre que gostava muito de uma mulher que também era pobre. Por causa da pobreza, o homem casou-se com uma mulher que era rica e começou a gostar dela. A mulher que era pobre esperou mais dois anos e casou-se com um homem rico. Os quatro viviam na mesma terra e na mesma rua.

2
Ao todo, os dois casais fizeram sete filhos – e os sete filhos eram todos parecidos uns com os outros. Chegou então ao mundo um Inverno mais duro que de costume. O homem rico começou a sofrer da próstata. O médico, por distracção, disse-lhe que ele ia sobreviver. E que ia ficar estéril.

3
O homem rico ficou estéril. Depois, não sobreviveu. Aquilo da próstata complicou-se e acabou com ele ao cabo de meio ano. A mulher que tinha sido pobre tornou-se viúva remediada. Foi vendendo as courelas uma a uma para sustentar os filhos. Até que ficou pobre outra vez.

4
O homem que tinha sido pobre teve pena dela e disse à esposa que começasse a comprar o dobro da mercearia: dois sabões, dois pães de quilo, dois quilos de açúcar e por aí adiante. Aos sábados de manhã, o homem ia a casa da vizinha, depositava o saco das compras na banca da cozinha e aceitava uma chávena-almoçadeira cheia de café de mistura.

5
Os sete filhos cresceram tudo o que tinham de crescer e foram-se às vidas deles. O homem começou a almoçar aos sábados na casa da outra mulher. Se chovia, ficava para jantar. Passados uns tempos, já só voltava a casa na segunda-feira.

6
Às vezes, a esposa vinha à varanda e chamava-o para que fosse atender o telefone. Então, o homem chamou a Companhia e mandou instalar um telefone na sua casa dos fins-de-semana.

7
O homem chamava-se Alberto. O povo começou a chamar-lhe “O Alberto das Duas”. E ele ria-se porque gostava da alcunha. E porque, de facto, gostava das duas.

8
O padre da freguesia ainda mandou umas “bocas”, mas teve de se calar porque o Alberto das Duas disse em voz alta, no bar da Associação, que a irmã do padre era tão irmã do padre como do Papa.
9
O tempo passou com suavidade e constância. A legítima do Alberto adoeceu de um peito e deixou de respirar à chegada do Outono. O Alberto das Duas passou a ser conhecido como “o Alberto da Metade”. Desta alcunha, o homem já não gostou. De modo que lhe deu para entristecer e morreu na noite de Ano Novo.

10
A outra mulher deixou-se ficar. Como o Alberto lhe tinha comprado as courelas de volta, foi-as vendendo uma a uma outra vez para se sustentar. Ainda lhe faltava vender duas quando a irmã do padre morreu. Então, o padre chamou-a para junto dele e ela foi e nunca mais se falou no assunto, pronto.


Caramulo, tarde de 18 de Outubro de 2006

2 comentários:

Maria Carvalho disse...

Adorei ler! Achei um conto tão doce...Beijos para ti.

Daniel Abrunheiro disse...

beijos, paulita. falei por tm com a sandra feliciano: boa sorte para a vida do teu novo livro.

Canzoada Assaltante