30/10/2006

O Resto - histª 4 do Anoitecer ao Tom Dela

1
Ele foi casado 19 anos. Ficou viúvo aos 41. Agora tem 65. Tantos números tem a vida. Mas só 1 de cada vez. Ele já não é daqui. Ele pertence a outras contas.

2
Pronto, os filhos deram flor e fruto. Envelheceram, os filhos. Foram-se embora. Às vezes, nas datas cardiais, telefonam. Ele só se lembra do Natal, por exemplo, por causa disso.

3
Tanta coisa e tanta coisa – e tão pouca coisa, afinal. A casa bem paga – e boa. 3 quartos. 2 sanitas. 1 sala de espera. À espera de quê?

4
Ele tem o mesmo carro há 14 anos. Ou 15? Mais uma data – não, isso não – isso não, por favor. É só 1 carro. É só o tempo que ele comprou.

5
No princípio, o Verbo era bom. Tu tens 20 anos, eu tenho 22. Vamos para França. Vamos ver como é. Vamos ver se isto dá.

6
Casas baixas chamadas mêzons, mesmo assim. Limpezas domésticas. Servente de pedreiro. 800 francos. 1000 francos. Ora – francamente.

7
A rapariga-esposa morreu do coração. O médico disse ao homem:
– Era de nascença.
O homem não disse nada. Mas, pelas ruas, foi dizendo a si mesmo:
– De nascença não se devia morrer.

8
Agora, já não há problema. Os filhos emigraram para as vidas deles. Ele ficou. Tem rotinas pequeninas. Colecciona selos, recortes de jornais, tampas azuis de bebidas gasosas. Ele não faz mal a ninguém.

9
Amanhã, ouvindo a rádio, ele não há-de dar atenção à guerra da moda. Está cansado. Já não quer saber. Mas, no país estrangeiro, ele continua estrangeiro. Há 1 solução. Contratou uma companhia de seguros. Quase todo o dinheiro para os filhos. Menos 24. Menos 41. Resto 0.


Caramulo, tarde de 12 de Setembro de 2006

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Canzoada Assaltante