1
Há muitos anos que o senhor Alberto Germano tinha e mantinha aberto um estabelecimento de duas portas de taberna e mercearia. O senhor Alberto Germano e a família moravam por cima do negócio, na sobreloja. A mulher era entrevada. A filha era morena.
2
A mulher do senhor Alberto Germano da Venda já nem tinha nome de baptismo. Tinha entrevado há tantos anos, que só era A Entrevadinha do senhor Alberto. Adoeceu e ficou acamada para quase sempre depois do nascimento da única filha, que nasceu morena e assim se manteve.
3
O senhor Alberto Germano pontificava ao balcão de Vinhos e Tabacos. Ao lado, com passagem interior, era a mercearia, um cubículo negro de humidade que cheirava a ranço de bacalhau, a queijos mortos, a áfrica de café e à cor morena da filha do senhor Alberto e d’A Entrevadinha do senhor Alberto.
4
Na taberna do senhor Alberto Germano, os homens enrolavam onças e conversas. Ensebavam cartas dois a dois. Bocejavam em voz alta e pensavam para dentro o que de outras bocas para fora saía. E a vida corria.
5
Na mercearia da filha do senhor Alberto e d’A Entrevadinha do senhor Alberto, havia um livro escrito a lápis com a poesia da miséria. Tanto de massa, toucinho, bacalhau, feijão a litro, sal e açúcar. Açúcar, pouco.
6
Na última década a preto-e-branco da História Nacional, o senhor Alberto Germano da Venda comprou um aparelho de televisão. A emissão tinha ópera e teatro. Os apresentadores e as apresentadoras eram senhores e senhores com vozes da rádio e sabiam falar português.
7
O senhor Alberto Germano da Venda juntava os bancos em plateia. A filha morena, mais solícita do que nunca (e mais do que nunca morena), ajudava o pai. E ficava para ver e para sonhar.
8
A Entrevadinha do senhor Alberto ouvia em cima o rumor dos bancos, do teatro e da família em baixo. Punha mais alto o som da rádio. E rezava a um Deus velho que não parecia ser capaz de milagres novos.
9
No último Verão da última década a preto-e-branco da História Nacional, a filha do senhor Alberto e d’A Entrevadinha do senhor Alberto fugiu com um cantor de baile que lhe jurara a botões juntos ter aparecido num programa depois, ou antes, de António Calvário.
10
Na noite em que se tornou impossível desmentir o escândalo da fuga da morena, a mulher do senhor Alberto Germano da Venda levantou-se de mansinho. Desceu da sobreloja e, sem ser de mansinho, foi-se ao televisor e escaqueirou para sempre aquela coisa do Diabo.
Há muitos anos que o senhor Alberto Germano tinha e mantinha aberto um estabelecimento de duas portas de taberna e mercearia. O senhor Alberto Germano e a família moravam por cima do negócio, na sobreloja. A mulher era entrevada. A filha era morena.
2
A mulher do senhor Alberto Germano da Venda já nem tinha nome de baptismo. Tinha entrevado há tantos anos, que só era A Entrevadinha do senhor Alberto. Adoeceu e ficou acamada para quase sempre depois do nascimento da única filha, que nasceu morena e assim se manteve.
3
O senhor Alberto Germano pontificava ao balcão de Vinhos e Tabacos. Ao lado, com passagem interior, era a mercearia, um cubículo negro de humidade que cheirava a ranço de bacalhau, a queijos mortos, a áfrica de café e à cor morena da filha do senhor Alberto e d’A Entrevadinha do senhor Alberto.
4
Na taberna do senhor Alberto Germano, os homens enrolavam onças e conversas. Ensebavam cartas dois a dois. Bocejavam em voz alta e pensavam para dentro o que de outras bocas para fora saía. E a vida corria.
5
Na mercearia da filha do senhor Alberto e d’A Entrevadinha do senhor Alberto, havia um livro escrito a lápis com a poesia da miséria. Tanto de massa, toucinho, bacalhau, feijão a litro, sal e açúcar. Açúcar, pouco.
6
Na última década a preto-e-branco da História Nacional, o senhor Alberto Germano da Venda comprou um aparelho de televisão. A emissão tinha ópera e teatro. Os apresentadores e as apresentadoras eram senhores e senhores com vozes da rádio e sabiam falar português.
7
O senhor Alberto Germano da Venda juntava os bancos em plateia. A filha morena, mais solícita do que nunca (e mais do que nunca morena), ajudava o pai. E ficava para ver e para sonhar.
8
A Entrevadinha do senhor Alberto ouvia em cima o rumor dos bancos, do teatro e da família em baixo. Punha mais alto o som da rádio. E rezava a um Deus velho que não parecia ser capaz de milagres novos.
9
No último Verão da última década a preto-e-branco da História Nacional, a filha do senhor Alberto e d’A Entrevadinha do senhor Alberto fugiu com um cantor de baile que lhe jurara a botões juntos ter aparecido num programa depois, ou antes, de António Calvário.
10
Na noite em que se tornou impossível desmentir o escândalo da fuga da morena, a mulher do senhor Alberto Germano da Venda levantou-se de mansinho. Desceu da sobreloja e, sem ser de mansinho, foi-se ao televisor e escaqueirou para sempre aquela coisa do Diabo.
Caramulo, tarde de 2 de Setembro de 2006
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