19/08/2009

UM POUCO ANTES DE AMANHÃ (32)

32.

Souto, Casa, madrugada de 18 de Agosto de 2009

(mais Lisboa, 27 de Setembro de 1996)

Na cidade de Lisboa, recebo da editora Cotovia a oferta de um exemplar de Arte Poética – O Meridiano e Outros Textos, de Paul Celan.

É no dia 19 de Setembro de 1996.

Completo a primeira leitura do volume no dia 1.º de Outubro desse ano.

Redescubro entretanto, quase treze anos depois, dois textos que lapijei na folha-de-guarda final do livro.

Estão a lápis e são datados ambos de “27-9-96”.

Não têm título.

I

É infinito o que não pode ser contado.

Por números ou palavras, o que resistir à contagem e à narrativa é infinito.

Infinitas, as areias.

Infinitos, os bichos.

Os golpes de vento atravessam as costas do espelho dos números.

Infinitas, as gravatas.

Infinitas, as esplanadas.

A própria morte, que o não parece, está sempre a acontecer e não pode ser contada.

E, para todos, é só uma.

II

Uma ocasião, vi um homem de fato correcto sentado na encosta de um monte a comer nozes.

A minha juventude teve logo o sobressalto da clarividência: decidi, ali mesmo, que a minha profissão adulta ia ser aquela, comer nozes num monte.

Ser adulto e correcto dentro de um fato.

E, tendo família, comer nozes como se a não tivera.

Havendo sol, como se o sol não queimasse.

Nada por trás nas costas, nada.

E tudo pela frente – o campo, o regadio, as linhas-férreas, os silos de rações, as oliveiras portuguesas.

De joelhos flectidos, levantados e separados.

Entre eles, o saco (de papel) já só com metade das nozes.

São textos do tempo em que eu ia a pé da Rua de Santa Marta à do Quelhas.

Passou.

Passei.

Canzoada Assaltante