17/08/2009

Sete Derradeiras Aproximações a Edinburgh

Souto, Casa, madrugada de 17 de Agosto de 2009




I

Receio bem que nenhuma parte
do que tiver sido a minha vida
deixe marcas em, por exemplo,
Edinburgh.
Vivi muito menos do que escrevi,
talvez por isso.
Esta noite, deitado em lençóis
frescos de novos, a gata mais
nova dormindo nas pernas, penso
a minha vida só por dentro
romanesca.
Profundamente ibérico, afinal,
posso ter direito a um pouco de
sol e à sombra de uma oliveira.
Não será mau património, feitas
as contas.



II

A noite veio tocar a casa com
suas rendas acústicas.
Esta é a minha atenção ardendo
no escuro.
Vejo homens e espectros rondando
o meu coração, madeira do meu
lume.
Sinto ilhas.
Coligi crepúsculos puerilmente.
Tenho sido razoavelmente feliz.
Toquei águas que desciam colinas.
Juntei laranjeiras em cadernos.
Aprendi idiomas: o das janelas
acesas, o das mãos dos animais,
o lunar das senhoras-de-aluguer,
o dos choupos farfalhados pela
altitude boreal.
Sou tão có(s)mico quanto a pedra,
qualquer pedra em qualquer eu.
Já andei muito só em por exemplo Lisboa,
em Edinburgh é que nunca.



III

Esta não é talvez a minha noite
derradeira, farei um pouco 'inda
por merecer a manhã.
Viverei talvez alguns livros 'inda.
No meu outono privado, usarei
fraque e chapéu alto, terei um
cavalo e uma casa com cavalariça
e portão de ferro chancelado em
latim.
Fecho os olhos para ver rosas e
senhoras altas de marfim.
O meu futuro convoca cinzas,
esmaecidos postais fluviais, algum
gesto terno merecido em criança.
Sou poderosamente humano
em esta Ibéria que não conhece
Edinburgh.



IV

Toco a face dele com estas frases
tiradas da noite da minha vida.
Uma vez, vi uma andorinha
presa num cabo alto, vieram os bombeiros
e resgataram-na, escrevi isso no
jornal e fui feliz dois dias
completos e seguidos em
razão disso.
Ele compreende-me perfeitamente:
partilhamos genética e limbo.
Ele uma vez recolheu uma maçã
silvestre e ofereceu-ma, trago-a
'inda no sabor.
E o amor torna peninsular
a ilha que cada um de nós
é.



V

Sério e honesto estudo não me
salvará, mas aqui e ali há-de
ser pretexto de redenção.



VI

Escuta comigo: este rumor de
papéis é o vento da noite
dando nas folhas da figueira
(choupo imaginado).
É uma música muito bela.
O coração dá-se-nos muito
a estes solfejos.
Agora adormecemos sem
ofensa.
E amanhã nascemos ao
pé da figueira escritora.



VII

Haverá ele árvores-de-figo
em Edinburgh?
Digo cristais com os dentes
frios como água em pedra.
A humanidade do pensamento
é tremenda,
por exemplo em
Edinburgh.




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