05/08/2009

UM POUCO ANTES DE AMANHÃ (26)

26

Pombal e Souto, Casa, noite de 4 e tarde de 5 de Agosto de 2009

Por mais verticais que sejamos,

é para baixo que olhamos

para nos vermos em pessoa.

Um pouco de chá, alguma caligrafia e ir pelos jardins – um plano para a vida.

Imagem e imanência: possíveis pela língua.

Zonas extensas da ruralidade, manchas do domínio verde com lapsos maravilhosos de amarelo, roxo, encarnado, sépia.

Homens horizontais, como cavalos, trabalhando a terra, vistos daqui em sílabas.

Horizonte e vertigem, luzes humanas que confirmam e condensam a noite, as cabeças das pessoas como bustos animados, as mãos (as mães) que enredam cestos e encestam redes, dedos-vimes, nós-dos-dedos, olarias que rodam e pulsam e urdem o barro como carne para coração, as lojas onde os animais exercem a metafísica privada do silêncio, os vasos com flores (dedadas de lacre), revoadas de papel de jornal assinalando o ar corrente ao nível do chão (outono impresso em folhas), categorias caligráficas das ramadas, arabesc’árvores, rendas de tinta-da-china contra o livor glacial da alba, retorno dos homens como pontos escuros ao domínio do verde.

Ver tudo de aqui, em silabário e lábio e astrolábio.

Lírio em delírio, turnos e retornos pela linha de pedra-mar, a espécie de leite-em-sal da escuma em rebentação, um pouco mais longe no tempo.

Escadarias paralelas da atenção decuplicam o corpo, municiam-no de poderes-vectores viajantes, de Port Ortford a Dickensville, de Burgos a Salt Lake, do Rio Chetco a Mira.

Uivos azul-gelo das viaturas de polícia inquietam a realidade, tornam-na súbit’aflitiva, os residentes locais levam a mão à garganta, ao peito, às cabeças-bustos.

(Lá atrás de tudo isto, isso

a que chamo eu

vigia e toma conta

da loja em

silêncio animal.)

Brookings, no Oregon; Rua da Saudade, na Figueira da Foz – instâncias de alojamento do viajante verbal.

Balística dos versos: estrias digitais (caligrafia, chá, jardins, tiro, de acordo com um indecifrável A. M. O. a propósito de um indespistável João Paulo Branco, Coimbra, Julho de 1997, ed. SASUC) para uma estilística sem Deus, ou coisa assim.

A poesia e a existência das moscas partilham a diafaneidade da Hora Grande.

Um homem chamado Warren, um homem de nome Salústio, seus trajectos paralelos em as Discussões Justapostas

(deles os eus sem Deus).

Em cabanas florestais, leitores duram anos por dentro.

Hercúleos mastins musculam pesadelos de criancinhas sherlóckicas ou lovecráfticas ou delamáricas ou algernonblackwoódicas, través massas de névoa – mas corre a bênção de um estio suave, benigno como uma época sem telegramas obituários, como o que Alice Fowles (solteira, 25 anos, natural de Liverpool) remete a Mr. Ashcroft (viúvo, 42 anos, de Bristol), por ocasião da tragédia de Cartpool-on-Sea, 1903.

Castelos disto, de afins assuntos caligrafados em documentos agora, e finalmente, poetizáveis.

Walsall, Cabanas de Viriato, Reims, Monróvia – em 1984, voltas de Mr. Burke.

Contingências militares, ditames de medicina legal, roncos automóveis na madrugada das províncias, edições do The Oregon Tribune em Setembro e Outubro de 1979, as freguesias de Avintes e Veiros, providências cautelares muito tácticas, muito pensadas para tornear a lei, gentis camponesas de louçãs maçãs-do-rosto, um homem chamado Luiz Phillipe S., coxo da perna esquerda, travessando a do Giraldo, um copinho de madeira servido sob moscas, esta demanda incessante de um sentido para a serenidade

(lá atrás, um dos eus).

Amarante e Glasgow, a do Pico e New Bedford, Málaga e Caen, Jacksonville e Portel: linhas da quieta força na cartografia que desidera (que anela), noções por assim dizer minerais na Grande Geologia do Trânsito Glotológico.

Ali, as mãos das mães – pre(gra)ciosas, anónimínimas, trançadoras de cabelos e de cebolas, leitoras dos destinos filiais menos vernícomos

(vai suave o estio).

Mundiverbo, fervilhar de fonemas-soluços, género e degeneração

(será da muita genebra),

corrupção e corruptela, inspecções sanitárias a balcões de caminho com agência de mala-posta, pobres aos milhões sozinhos-um-de-cada-vez como poetas ou detectives especializados em cornos conjugais, velhotas com filhos quarentões vivendo-lhes à mama em barracas sobreviventes a salsichas e couves trazidas da Assistência Social e dos colégios de freiras, uma mulher chamada Carminda França frigindo peixes do rio numa tenda à beira do Mondego (Portela ou Torres, ano 1971), movimentações e acusações feias de e entre candidatos ao comando dos bombeiros locais

(há dois anos que andam nisto, o barbeiro e o da papelaria),

a impenetrabilidade mútua entre a História da Higiene e a da Índia, mais confrontos entre hordas operárias alemãs de origem turca e matilhas da polícia de intervenção alemã de origem teutónica.

Inclinação em itálico da cursiva chuva numa rua de Boston em 1970 (Janeiro quase de certeza), esmaltes e alumínios juncam a pobreza limpa das últimas casinhas além, na Covilhã.

Perímetros de mata nacional medidos pensativamente por cavalos em repasto, perpetuação das pragas cíclicas (agnosia, afasia, cova-da-iria), magazines relatando o amor bonito e grácil do rapaz Kevin pela menina Brigitte, visões portuárias reveladoras de até o crepúsculo ser barco, casamatas hoje habitadas por ervas e caracóis, dias estalactíticos confirmando e deferindo a fundamental mineratura do Espaço-Tempo, incursões belgas em etnografia portuguesa, Múrcia e Calecut, Scatman Crothers e Debussy, Claude.

O entendimento como uma surpresa em fio de oboé – é isto, finalmente, o que tal

eu queria ter dito amanhã.

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Canzoada Assaltante