34.
Souto, Casa, tarde de 19 de Agosto de 2009
(Foto: vendo televisão em casa, 10 de Março de 2009)
Quando fui menino, já (vi)via os cães (solitários, um por um à sua vida) ao longo da via-férrea.
Soube logo que uma porção grande do meu futuro seria (comendo nozes num monte) recordar cães sozinhos ao longo da desolação férrea.
Assim é para mim a vida, de facto.
Hoje não estou aqui para desvelar a angústia desses seres primitivos, que me incluem, incluíram sempre.
Uma pessoa atém-se à arte que lhe é possível.
É um círculo traçado a giz vermelho.
É como posso dizer.
Trata-se de uma ciência menos bibliotecária do que inconsequente (por irrelevante).
Sudários verónicos.
E estatuárias únicas.
Cobriram com um lençol os despojos do senhor Manuel G., a bicicleta que trazia pela mão tinha sido projectada para longe como uma aranha seca, ele pôs-se a atravessar a linha depois do comboio passar, não pôde aperceber-se de que a primeira composição ocultava outra em sentido contrário, escaqueirou-se como sanguinolenta porcelana, o senhor Manuel G. do país mundial da minha infância.
Sentado na sala em penumbra, entre macios panos, aumentando a biblioteca da minha vida com a inconsequência sem relevo da minha vida: peixes, palavras, pedras, pássaros, cães e vias-férreas e bicicletas atiradas longe.
O som das palavras como rouxinol:
rouxinol, levedura, embate, botúlico, retroviral, similitude, curvilíneo, florescência, apinhada, túnica, ática, acribologia, livresca, rícino, celeiro, borne, Markov (m. 1978), restauro, bote, periclitante, anta, cocção, Salústio, fúria, fuga, Verânio, motel, sanção, canção.
Anos disto, para isto: reputação e refutação: para nada.
Ruas depois estradas, molduras silvestres bordando litorais revertidos a pedra vertical, ao longo da que bolores mínimos, sombras pintadas a água álgida.
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