07/10/2006

Armazém

A minha poesia é um armazém de miudezas.
Sempre perdi, felizmente, o conjunto
e a conjuntura.
Durmo como existo: obscuramente.
E vivo de iluminuras.
Ainda agora, ainda agora: um homem
de pele tão branca, que
à transparência surgia a administração
dos órgãos.
Pediu um copo de café-com-leite,
um bolo de passas.
Disse à senhora:
– Tenho de ir a um funeral às quatro.
Usa um boné castanho de bombazina,
um pulôver de fibra reles.
Calças de fazenda partidas como
papel.
O meu papel.





Caramulo, tarde de 6 de Outubro de 2006

1 comentário:

Manuel da Mata disse...

É esta poesia ao rés-da-terra, dramática, a que mais me interessa.
No fundo, todos os poetas genuínos têm "um armazém de miudezas".
O conjunto, mais tarde ou mais cedo, há-de aparecer. A conjuntura, essa, talvez nunca e ainda bem.
Assim se vai iluminando o mundo.
Soberbo!

Canzoada Assaltante