06/08/2009

Trabalho Dito em Seda


Souto, Casa, noite de 5 de Agosto de 2009

Senta-te nesta pedra e fala-me de humanismo, ou então de ti, não te acanhes, a noite é bela e quase longa.

Preside-nos, alta, a silveira de estrelas emaranhadas, cristal dos pobres, da igreja fechada abre-se o frio dos mortos lajeados cujos livros de assentamento se perderam como almas num bosque.

Nada te importe que de facto fale sozinho quem fala: a vida é assim, tu e eu somados resultamos ninguém como toda a gente.

Fala-me sozinho, não te cuides, como a palavra alaúde não cuida de ser já música, dita.

O nosso jardim-de-ninguém é todo cósmico, benza-o o Deus que lhe plantámos.

Nada nem ninguém pode ser mais mundo que cada um, por mais ninguém que o um seja e esteja e aja e haja.

Igreja na noite, face branca arrefecida, do adro se dando ao campo aberto, em epifania lunar que compreende e contempla o que desta pedra se diz.

Fremem aves nocturnas, sedas de carvão esfregadas em surdina roça-campanário, humanas como agonias ou cartas por abrir.

Toda a terra vibra de águas venosas, frias roladoras de pedras e árvores quebradas, e nós vibramos aqui, como toda a gente.

Em as caiadas cavernas dormem os patriotas que semeiam e lavram e ao mar arrancam a prata multitudinária e ao dia dirigem as máquinas , à hora.

Incessante é o florilégio que funde peixes e aves e estrelas e pedras e humanismos, altos para o campo.

A nossa irmandade é toda dizível, pulcra pugna pela vida, silêncio de pulcro sepulcro, pena aquilo dos livros perdidos.

Matiz e matriz de horas conventuais, as que a atenção nos vive, humanos, tão humanos na noite que sobe a rosa da aldeia ao veludo do firmamento.

Candeeiros publicam as nuvens baixas, quintas antigas habitadas de fantasmas de cavalos que foram precisos noutros poemas, com aves de tijolo, com rosa-dos-ventos, almácega e ínsua.

Com palavras, enfim.

Senta-te comigo nesta pedra, partilha a tua solidão com o firmamento e comigo e com os morcegos que trabalham em seda.

2 comentários:

Professor disse...

Esta é uma rosnadela de prazer.
Belo poema! Faz inveja não ser capaz de dizer assim.
Um abraço de apreço e amizade

Daniel Abrunheiro disse...

Quanta gentileza, meu caro amigo Professor. É uma honra tê-lo por visita.

Canzoada Assaltante