21/07/2009

Nós e a Figueira e Outros os Mesmos da Foz





Souto, Casa, fim da manhã de 21 de Julho de 2009

(Fotos: Figueira da Foz, manhã de 12 de Maio de 2009)

Era do lado do mar que vínhamos, nós ou alguém por nós, feitas as contas podia ser quem fosse o que fôssemos, no fundo andamos todos ao mesmo como à superfície, assim é. A idade faz-se gente dentro de nós, cada um é o outro que poderia ter sido, do lado do mar correm e ocorrem coisas às outras pessoas dentro de cada um. Por mim, desinteressa-me ter virado à direita à saída da Casa Rádio, alguém o terá feito à esquerda, um perfume de cebola frita acudiria talvez de trás da Caixa Geral de Depósitos ou de em frente ao Jardim, é igual e é assim. Um cigano velho vigiava os moços pescadores à linha da tainha, já alguns barcos murmuravam a luz granulada que depois nos postais fica a ser tempo, como os anos passam a gente passa. Outros homens que eu ainda não era um de cada vez torneavam as praças como sombrias formigas, debaixo do Partido Comunista eram a Nau e o Cubillas, depois o vento folheava páginas de outono nas árvores todas que o município fazia crescer com a humidade da manhã. Além da Jacques, a família Navarra mirava o bolor das janelas, de manhã bebiam café-com-leite, à tarde comiam cachorros e bifanas no Bicho, à noite recolhíamos cedo à pensão e dormiam uns e outros não. Labaredas pessoais tinham ardido sobre as areias do Farol Velho, as barracas de feira-popular zuniam como dores de ouvidos na luz muito decadente das leituras sós, interessa-me nada termos morrido de vez em quando sem ser por leite nem por amor, comprava-se um gigante e ia-se ao colo da melancolia até Santo António ou à de Macau. Cheirava a pastilhas de mentol e a prepúcios estrangulados, ter sido futuramente outra pessoa entre os mesmos ombros não pode hoje incomodar-vos mais que de costume, o Johnny Ringo é o Johnny Ringo da vida, muda a gerência mas o corpo parece o mesmo, em frente a tanto mar, tanta areia. Os espanhóis frequentavam as mercearias com sabedoria, chapéus de palha entrançada seriam de fita azul o menino rosa a menina, a bandeiramarela avisava o vento lambedor de axilas e virilhas, a tez foi queimada em doçura, os morangos da Praça atiravam recados ácidos ao palato, bolas e baldes e colchões e ruivos e bananas pintavam a infância já senil de vós todos. Fui uma vez com o homem com nome de mês à Paulistinha 2, os dois comeram gambas e beberam duas imperiais cada um, a noite vinha crescendo como uma toalha sobre as madeiras, nenhum de nós é agora metade dos dois porque um morreu e outro acaba de sair pela esquerda da Casa Rádio.

2 comentários:

António disse...

Lugares ainda bem presentes na minha memória.
A Figueira era assim ou nós fazíamos assim a Figueira.
A casa rádio...O Caçador...o DOX...o Bergantim com o seu telheiro, piscina de água salgada, em frente ao mercado, onde nunca pude ter aulas de aprendizagem de natação...
Andei muito poucas vezes nas carreiras do Farreca Rodrigues!

Um Abraço

Daniel Abrunheiro disse...

Aprendi a nadar nessa piscina, precisamente, com o professor - chamava-se Senhor Araújo.

Canzoada Assaltante