20/07/2009

Até na Montanha o Ar Cheira a Barcos - informações para fazer placas de beira-estrada


© Cindy Sherman
Untitled Film Still #48 (1979)



Souto, Casa, noite de 19 de Julho de 2009



1

Da estrada, chega o rumor do metal, da borracha e da humanidade em trânsito.
A noite parece a última nação possível.
Sei que as pessoas são importantes, que cada uma desembrulha a vida como pode e sabe, não sei mais que isto - nem da vida, nem das pessoas.
No rigor do Inverno, vivi já uma espécie de aura, algo como uma felicidade municipal, uma idade do ouro sem anéis.
Veio então o tempo de partilhar a humidade das pensões, as carreiras rurais a bordo de um autocarro que prometia mas não cumpria desconjuntar-se nas curvas.
No meu sono, recuperei pessoas de que me perdi.
Tive vinte anos, depois mais vinte, mais vinte possa contar ainda, à beira da estrada.



2

Talvez saiba também que há pessoas sozinhas até por dentro.
Espairecem como podem, até na montanha o ar cheira a barcos.
Cavalheiros do asfalto urinam ao frio sob as árvores da berma da estrada.
As bandeiras usam cordas para subir como os enforcados.
Em salas frias, casais antiguecem uns contra os outros.
Na cozinha, alguém descasca e corta cebolas, um naco de carne e um alguidar com peixes esperam as mãos cabeludas do cozinheiro.
Motéis sozinhos de entreposto de artesanato e estações de serviço luzem na progressiva via da noite.
Garrafas-termos com café amparam os caixas das portagens até que seja manhã.
Raparigas de bar aventalam mamas fartas, trocam prazenteiras obscenidades com os motoristas de longo curso.
A ponte pulsa rubis altos para avisar os aviões de que há terra um dia - e água sempre.
Mesas atoalhadas de quadrículas vermelhas e brancas suportam copos, travessas com restos de cozinha, fragmentos de pão, caroços de azeitona, facturas traçadas com rapidez por uma mão cansada.



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Canzoada Assaltante