VIII. EM CANTO
Sentimos do cantor o trabalho que o trouxe à ribalta.
Ele viaja, reconhece nas cidades a igualdade do quarto de hotel, a mesmidade das refeições mornas tomadas com o jornal frio, o caderno de letras, o caderno de folhas descartáveis para recados à produção.
Então, na noite, halos laranja, verde, azul, vermelho.
E a voz que sai como se de outro corpo outra vida, transfigurando a música passiva da plateia, onde vivem as ribaltas baixas.
Cria-se um tempo hermético, diferente da duração da canção.
O código fechado bate as asas furiosamente.
Há partilha, o que perturba e alivia.
O cantor é todas as pessoas: o cantor é a singular multidão de um.
Sentimos do cantor as possibilidades celestes da terra.
Arrancados à gravidade física do corpo, viajamos pela espiral da voz, do éter do corpo do cantor, da sua ciência, da sua tremenda humanidade.
É como num sonho, mas com som.
E depois há aquela sensação de, fugaz embora, irmandade pessoal para com a plateia, nós.
Efémera assembleia, as pessoas do público participam pelo tempo do recital num a-tempo que bonifica o ter nascido para morrer, extintos finalmente canção e cantor e os
halos laranja, verde, azul, vermelho,
negro.
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