Souto, Casa, tarde de 10 de Março de 2009
Pelas ruas seguimos implantando a república pessoal,
esta mon’anarquia a que pertencemos por hábito.
Não há tempo, por momentos pode não haver tempo.
Cerejas, palavras, paisagens cerceadas por esquinas
– tudo se emaranha mas tudo finge que não,
que não se emaranha e que se não sabe que sim.
Mas emaranha. A aranha que arranha, a carne exposta,
a loja que vende chapéus ainda, o sobretudo daquele homem,
a estupenda indiferença dos monumentos a nós,
o perambular das contabilidades republicanas de cada um,
o rapaz que dá lume à namorada na paragem do autocarro,
a aluída fábrica de artefactos de borracha, a cruz da farmácia,
a comida atirando lições de estratégia internacional,
os tijolos do Diabo no estaleiro de Deus.
Figuramos na galeria promíscua manequins descamisados.
As famílias assemelham-se como filarmónicas de barro miniatural
– e o sol propaga o amplo incêndio branco de março,
trabalhando as esquinas em prol da orientação dos cegos.
Ciclistas debandam da fábrica ao urro da sirene,
patos cisnam num tanque pútrido,
revoadas de panfletos de circo quebram o sorriso,
à varanda a Senhora Graça penteia-se,
um menino com rosto de leopardo caça um caracol
– tudo finge que não e todos, que sim.
2 comentários:
como é que é possível, em 1905, tirarem-se fotografias assim?
Verdade, amigo, grande imagem de há 104 anos.
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